Anthony Burgess Especial Laranja Mecânica

Especial Laranja Mecânica: Alex, da atitude violenta ao ato condicionado

06:30Universo dos Leitores

Alex é um garoto de uma família de classe média, líder de uma gangue e passa as noites bêbado e cometendo crimes ao lado dos amigos enquanto os pais pensam que ele está trabalhando. Ignorando todas as leis e todos os limites do bom convívio social, ele age de forma livre e destemida, sem se preocupar com as conseqüências dos seus atos e sem valorizar as outras pessoas. 

Assaltos, espancamentos, destruição de lares e estupro são as suas atividades preferidas, sempre exercidas sem pudor, sem controle e sem limites. A intenção de chocar é tanta que ele usa roupas marcantes, vocabulário próprio de gangues e se porta como uma pessoa fora dos padrões, que não tem intenção de se incluir socialmente e de se relacionar com as pessoas que tem uma vida normal e polida. Para ele, o bom comportamento se assemelha à mediocridade, à aceitação da sociedade hipócrita e comandada por um governo corrupto e medíocre. Fugir às regras e às convenções lhe causa prazer e faz com que ele se sinta superior e invencível. 

O destaque na construção do personagem é o fato dele ter um lar, uma família, amigos, inteligência e uma vida satisfatória, mas mesmo assim só agir de forma violenta, agressiva, sádica e abusiva. Não existem razões aparentes, não existem justificativas para a sua postura. Em momento algum a obra apresenta clichês para justificar a conduta de Alex – ele não foi abandonado, espancado, estuprado etc. A verdade é que ele sente uma insatisfação completa para com a sociedade e um instinto incontrolável de autodestruição e agressividade. A ideia do escritor se assemelha à de pecado original e se aproxima do conceito de que o homem é mal por natureza, por essência. 

É preciso mencionar que a sua conduta e a sua abusividade excessiva é a responsável pela sua queda. Isso porque, com senso de liderança nato, ele não admite ser controlado e não aceita opiniões diversas, o que acaba gerando desentendimentos entre os membros da gangue, que em certo momento se cansam de ser controlados e resolvem agir e mudar a situação. Com isso, em uma noite insana em que invadem uma casa e uma mulher morre, todos fogem e deixam Alex sozinho. Assim, ele recebe culpa exclusiva pela morte da mulher e é condenado a 14 anos de prisão. 

O incrível é que na prisão, no intuito de ser beneficiado ao longo do período em que cumpre pensa, ele age com frieza e racionalidade, apresentando um bom comportamento. Começa a ler a Bíblia, finge rezar e refletir sobre suas atitudes e suas escolhas. No entanto, ao ser informado de um tratamento que possibilitaria a sua saída da penitenciária em poucos dias, Alex se oferece como cobaia e devido ao seu histórico comportamental, é escolhido.

A técnica utilizada pelo governo, conhecida como Método Ludovico, consiste em medicar a pessoa e colocá-la para assistir filmes com alto teor de violência, o que causa um incômodo e um desconforto, fazendo com que a pessoa submetida ao método reaja com pânico e dor quando pensa em praticar a violência. Trata-se de uma tentativa de moldar o comportamento por meio da implantação do medo e da dor.

Ocorre que a técnica em momento algum consegue alterar a natureza de Alex, que é o típico personagem ruim na essência, desprovido de qualquer capacidade de pena ou de compaixão. 

O tratamento retira apenas a sua capacidade de ação, que resta limitada em razão da droga. O que acontece é um condicionamento dos seus atos, que deixam de responder aos seus comandos e passam a contrariar a vontade real.

A intenção do tratamento é causar sensação de náusea e desconforto todas as vezes que a pessoa submetida a ele tente praticar atos violentos e isso realmente acontece com Alex. O interessante aqui é o resultado disso: a dor causada pelo pensamento violento já é a punição pela intenção de agir, com isso, a pessoa não se sente obrigada a controlar até o pensamento.

Quando retorna ao convívio social com o estigma de "curado", Alex é rejeitado pela família e pela sociedade, sofre violência e não consegue reagir. Ocorre que com o tempo os efeitos do tratamento se extinguem, a punição automática deixa de existir e as suas atitudes voltam a ser livres e não condicionadas. O fracasso do método acaba por comprovar a impossibilidade de moldar comportamentos e reafirmar a ideia do escritor de que a essência do homem não pode ser alterada e que procedimentos que o reduzem a um animal sem estímulos próprios não farão com que ele deixe de ser o que realmente é. 

Com essa incrível crítica, o que resta da fantástica obra e do complexo personagem são perguntas sem respostas:

- existe como moldar o comportamento de uma pessoa?

- até que ponto uma pessoa que age sem vontade própria está curada?

- a postura violenta é escolha, essência ou natureza humana?

- o Estado abusivo e controlador é a solução para a redução da violência?

- como controlar ou reduzir a criminalidade?

- até que ponto a violação dos direitos humanos pode ser admitida em prol de um possível "bem estar social"? 

- a violência para revidar um ato violento anterior é a melhor solução?

- qual o limite da intervenção?

Nota-se que todos os questionamentos colocados por Burgess por meio do complexo e intrigante personagem Alex, continuam atuais. Exatamente aí reside a grandeza da obra: o seu argumento, que foi construído em 1961, ultrapassou os anos e o seu personagem é o reflexo de uma sociedade complexa, violenta e abusiva, que impõe conceitos morais e não consegue encontrar formas de agir dentro desses conceitos. 

Destaques:

- Quando a história começa Alex tem apenas 15 anos e já apresenta atitudes extremamente agressivas.

- Quanto ao nome, Burgess escolheu Alex em razão do significado: a-lex, em latim, significa sem lei.

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