Companhia das Letras Crítica

Uma Longa Queda, de Nick Hornby

09:20Universo dos Leitores

"Não é porque subitamente tive uma luz que continuo por aqui. A razão pra eu continuar nesta vida e que aquela noite acabou se tornando uma confusão tão grande quanto todo o resto. Consegui foder com tudo ate quando resolvi pular do alto de uma porra de um prédio."

Hoje vou falar sobre um livro que recebi da editora parceira Companhia das Letras: Uma Longa Queda, de Nick Hornby. 
Antes de falar sobre o livro, proponho que você construa mentalmente o cenário: noite de ano novo, o terraço de um prédio altíssimo e quatro pessoas que não tem nada em comum, exceto a vontade de tirar a própria vida, se encontram no mesmo lugar- simples assim, pular e morrer. 

Mas não tire conclusões precipitadas: o livro não é tão depressivo como a sinopse pode dar a entender, tampouco tem cara de auto-ajuda e é justamente o drama a chave para o tom bem humorado da história. E por mais que o enredo possa sugerir que esta é só mais uma história sobre suicídio, os personagens e todos os seus conflitos fizeram com que Uma Longa Queda se tornasse uma dos livros mais divertidos que li no ano.
E quem são os personagens que se cansaram tanto da vida a ponto de escolherem uma morte prematura? Começo falando a respeito de Martin, um ex-apresentador de televisão que teve a vida pessoal e a carreira destruídas após todos (e todos inclui a mídia e a sociedade) descobrirem seu envolvimento com uma prostituta de quinze anos de idade.

Vaidoso e acostumado a uma vida de luxo, ele vê seu mundo desabar após o previsível divórcio, o distanciamento das filhas e a demissão que o tirou da tv e abandonou sozinho com sua consciência e sob os olhares de julgamento da sociedade. Sua pena vai muito além de seu período na prisão, e talvez seja ainda mais dura do lado de fora das grades.

Jesse é uma jovem revoltada e inconsequente, sem o menor pudor para falar o que pensa por mais inconvenientes que sejam suas palavras. Sua ausência de "filtro" e de bom senso, seu vocabulário agressivo e seu comportamento temperamental são justificados (segundo ela) pela péssima relação com os pais e com o desaparecimento da irmã, fazendo com que ela seja a mais rebelde do grupo.

Maureen é uma pacata e entediada dona de casa, que vive de pensões do estado e que cuida do filho em estado vegetativo desde sua infância. E é exatamente a falta de evolução do filho que a deixa sem a menor perspectiva de um futuro diferente, uma vida melhor para ambos. Maureen vive exclusivamente em função dos cuidados do filho, e como ela não tem coragem de abandoná-lo sofre ao admitir que se cansou de tudo. Isto faz com que ela opte por subir ao topo do edifício Topper's House para se matar. 

Por fim temos J.J. , um jovem músico deprimido após o fim do namoro e pelo fim de sua banda. Diante dos outros três potenciais suicidas, ele constata que, de todos, ele é quem tem menos motivos para se jogar de um prédio. Ele acaba tendo a ideia um tanto quanto questionável (para não dizer ridícula) de simular uma doença terminal para parecer menos frívolo em relação aos outros.
E porque é importante falar sobre cada personagem? Bom, quando se fala em suicídio tendemos a inferir logo de cara que o suicida vive ou viveu uma grande tragédia. Não é o caso: a sacada brilhante de Nick Hornby foi escolher personagens bem comuns, pra não dizer banais. Dependendo da perspectiva você pode até questionar os motivos que levam cada um ao alto do prédio, e como são eles quem contam a história podemos interpretar e até contestar as razões de cada um. 

E apesar de seus conflitos individuais e dos dramas que mencionei existem saídas para todos, mas faltam forças ou mesmo expectativas para que os quatro sigam em frente.E é neste cenário estranho onde quatro desesperançosos desistem de viver que Nick constrói sua história pautada principalmente por grandes doses de humor depreciativo, onde os personagens tripudiam sobre a própria desgraça (talvez a melhor característica do livro).

"Quando a gente sabe que quer morrer, fica um pouco menos assustada. Eu nem sonharia em sair andando o caminho todo tarde da noite, especialmente com as ruas cheias de bêbados, mas o que importava àquela altura? Embora, claro, eu agora me pegasse preocupada imaginando que poderia ser atacada sem que me matassem — abandonada como morta sem, porém, estar."

Uma das características mais interessantes da história, é o fato dos personagens se mostrarem de forma honesta. Seja o fetiche de Martin, o egoísmo de Maureen, o egocentrismo de Jesse ou a vaidade de JJ, tudo vem à tona em tom debochado. Uma vez declarados suicidas, eles não se preocupam em exibir suas frustrações, suas desgraças, seus fracassos, sua incompetência. Sabe aquela "edição" da própria imagem feita a todo momento nas redes sociais, onde se escolhe e monta exatamente a imagem que se quer passar? Pois bem, os quatro fazem o inverso, e já que vão acabar com a própria vida dispensam todo aquele marketing pessoal da boa convivência.

Eles não precisam conquistar mais ninguém, tampouco convencer quem quer que seja de seus méritos, e essa crítica é feita de uma forma deliciosamente divertida. Depois de muito debaterem, eles desistem do suicídio naquela noite e tentam resolver algumas questões antes do dia da morte, adiado para o Dia dos Namorados. 

Confesso que esperava um pouco mais desta fase, na minha opinião o ritmo do livro caiu um pouco quando eles tentam resolver seus problemas pessoais. Também achei um pouco superficial a participação de alguns personagens como Penny e a ex- esposa de Martin, que pouco acrescentaram à narrativa. Felizmente, isto não comprometeu a história, que teve um desfecho interessante e não usou o caminho fácil do sentimentalismo como recurso. 

A história é narrada alternadamente pelos quatro personagens de forma verdadeira e sem pieguices, com uma linguagem contemporânea e com os traços de cada personagem. Eu particularmente gosto muito dessa perspectiva em primeira pessoa e da alternância da narração que além de trazer diferentes pontos de vista deixou o livro mais dinâmico. Vale destacar também as inúmeras referências à cultura pop ao longo da história. 

Drama e humor de fato estão separados por uma linha bem tênue nesta história, e acompanhá-la foi como rir das pequenas desgraças que todos nós temos na vida, de nossos fracassos diários. Mais um ponto para Nick, que conseguiu fazer isto sem ridicularizar ou mesmo banalizar o tema. Indico Uma Longa Queda, que certamente está entre os livros lidos mais bem humorados do ano 

"Ele tirou a própria vida após lúcida e cuidadosa análise da merda em que ela havia se transformado?".
"Querer me matar era a reação adequada e razoável pra toda uma série de eventos desafortunados que tinha tornado minha vida insuportável. Ah, pois é, sei que os psicólogos vão dizer que podiam ter ajudado, mas é aí que nasce a metade dos problemas deste país, certo? Ninguém quer encarar suas responsabilidades."







Sobre o autor:

Nasceu em 1957, em Redhill, Inglaterra. Formado na Universidade de Cambridge, publicou uma dezena de livros, entre os quais Febre de Bola, Alta fidelidade e Um grande garoto, que ganharam versões cinematográficas. Em 1997 fundou, com outros pais, um centro de excelência no tratamento de crianças autistas na Inglaterra, a Tree House.

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