A força da Vida Devir

A Força da Vida, de Will Eisner.

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Em seu projeto de publicação das graphic novels de Will Eisner, a Devir lançou em 2008 A Força da Vida, com uma impressão especial na capa e 152 páginas impressas em sépia sobre papel chamois. Ambientado na década de 1930, durante os anos da Grande Depressão econômica nos Estados Unidos, o livro traz a essência dos melhores trabalhos do mestre da “arte sequencial”.

Em termos estilísticos e temáticos, A Força da Vida enquadra-se na sequência de ótimas obras que Eisner lançou a partir de 1978 (Um contrato com Deus, Nova York: A Grande Cidade, O Edifício) e que deram força à tradição das graphic novels norte-americanas. A HQ traz uma narrativa bastante diversa, que mistura páginas de quadrinhos, textos ilustrados, representações de cartas e reportagens ou até mesmo a compilação de dados meteorológicos. Produzida por alguém que viveu no ambiente e época retratados (a nova York dos anos 30), a obra traz uma notável riqueza na representação dos personagens, cenários e contexto. Não é por menos que, no traço característico do mestre, pessoas e acontecimentos vão surgindo e interagindo, ganhando vida e sentido a cada capítulo.

É interessante notar que A Força da Vida não constitui exatamente uma trama linear (sendo mais uma espécie de “novela” do que propriamente um “romance” gráfico). O que o livro nos apresenta são um tema e vários personagens, ao longo de capítulos que vão se entrelaçando. O tema já está presente no título, é a “força da vida” que nos impele adiante mesmo nas situações mais adversas, ainda que nos questionemos sobre o sentido de nossa existência ou sobre a existência ou não de um Deus. Os personagens (como não poderia ser diferente numa obra de Eisner) são pessoas comuns, capturadas em breves instantâneos ou longas sequências da vida nas grandes cidades. São os injustiçados e os perseguidos das grandes lutas sociais, os heróis e os vilões dos pequenos dramas cotidianos, os apaixonados e os desesperançados, jovens e velhos, pessoas como nós, tratadas com lirismo e respeito.

O título do livro também dá nome ao primeiro capítulo e reaparece na parte em que um dos personagens centrais se põe a questionar o sentido da vida, diante de uma indefesa barata (talvez um eco intertextual de Franz Kafka?). E embora o inseto seja bastante relevante nas primeiras páginas, ele desaparece no decorrer do livro, retornando para um desfecho temático, no capítulo final. O que ganha força à medida que os capítulos se sucedem são os elementos do contexto histórico, que surgem do cotidiano dos personagens ou provocam a interação entre eles. É assim que ficamos sabendo dos conflitos envolvendo o movimento comunista e sindical em Nova York, de como surgiu e se estabeleceu a máfia italiana naquela cidade ou das dificuldades e desafios impostos pela Grande Depressão. E uma vez que Eisner passou a juventude num bairro de forte presença judaica, vários personagens da HQ têm essa origem cultural. Logo, o início da perseguição nazista na Alemanha, que levaria ao Holocausto dos judeus na Segunda Guerra Mundial, tem um papel importante no desenrolar dos fios narrativos da obra.

Seguramente, A Força da Vida não é a obra mais genial de Will Eisner. Ainda assim, é um trabalho que eleva e enriquece a arte dos quadrinhos, sendo também um título que não deve faltar na coleção dos admiradores do grande mestre norte-americano.


Wellington Srbek nasceu em Belo Horizonte em 1974. É doutor em Educação e graduado em História pela UFMG, autor e editor de histórias em quadrinhos premiado nacionalmente. Profissional com vinte anos de experiência na criação e edição de revistas e livros, textos informativos e literários. É autor de trabalhos consagrados como o álbum Estórias Gerais e a série Solar, bem como de HQs infanto-juvenis e adaptações literárias.

Resenha originalmente publicada no blog Mais Quadrinhos.





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