Crítica História em Quadrinhos

Usagi Yojimbo, as aventuras de um coelho samurai

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O uso de animais humanizados (ou seres humanos com feições animalescas) é um recurso cartunístico muito comum nos quadrinhos e animações. Sua ampla popularização aconteceu com as produções de Walt Disney, na primeira metade do século 20. Mais tarde, já nos anos 80, uma nova leva de trabalhos desafiou as convenções das HQs e desenhos animados de bichinhos com formas e hábitos humanos. Os relatos do Holocausto nas páginas de Maus, o erotismo explícito de Omaha e a ação dinâmica de As Tartarugas Ninjas trouxeram novas visões e outras funções narrativas para os netos do Mickey Mouse. Outro exemplo dessa inusitada geração é Usagi Yojimbo.

Criada pelo quadrinista Stan Sakai (um japonês radicado nos Estados Unidos), Usagi Yojimbo: Daisho é a segunda coletânea das aventuras de um coelho samurai no Japão feudal. Lançada em 1984, a série é uma espécie de paráfrase das histórias de Miyamoto Musashi, um renomado samurai que viveu no século 17 (e que, aliás, ganhou no Brasil álbuns criados pelo mestre Julio Shimamoto). Para criar sua HQ, Sakai teve como fontes de inspiração a série Groo de Sergio Aragonés (com as cômicas aventuras de um desastrado bárbaro), o mangá Lobo Solitário de Kazuo Koike e Goseki Kojima (com a história de um samurai sem mestre e seu filhinho), além de filmes do genial Akira Kurosawa (criador de épicos como Os Sete Samurais e Ran). Em estilo cartunístico, repleto de referências histórico-culturais, duelos de espadas e até algum romantismo, podemos dizer que Usagi Yojimbo (ou “coelho guarda-costas”, em português) é uma obra com altos e baixos.

Defendendo uma aldeia de terríveis bandidos, ouvindo de um monge a “música do céu”, caindo de amores por uma nobre ou em busca de suas espadas roubadas (as daisho que dão subtítulo ao livro), Miyamoto Usagi é um herói honrado e corajoso, no melhor estilo dos lendários samurais (e que, por isso mesmo, não vacila em matar seus oponentes). Com 190 páginas de quadrinhos, divididas em dez capítulos, Usagi Yojimbo: Daisho tem, no entanto, desenhos regulares. Algumas páginas e quadros são pouco detalhados ou trabalhados, algumas soluções visuais não são bem resolvidas e, no geral, a narrativa não é muito criativa. Por esses fatores, os bons roteiros do livro acabam surpreendendo e se sobressaindo em relação ao visual. 

As histórias de Sakai partem de uma boa pesquisa sobre o universo dos samurais, sendo pontuadas de referências culturais e alcançando uma admirável autenticidade (especialmente se considerarmos que os personagens são versões humanizadas de coelhos, cães, raposas, rinocerontes, entre outros bichos). E, por contraditório que pareça, o elemento cômico surge justamente nas sequências mais violentas, em que o herói mata seus adversários, que liberam então uma "fumacinha" com a imagem da caveira do animal em questão.

Usagi Yojimbo: Daisho traz uma (dúbia) introdução do roteirista James Robinson, reproduções de capas, um glossário dos termos japoneses e uma breve biografia do autor. Como um todo, o livro (que até nos ensina como eram feitas as espadas japonesas) é uma leitura interessante. Embora o visual e a narrativa deixem um pouco a desejar, seguramente as aventuras de Usagi Yojimbo podem agradar os fãs de histórias de samurais.

Wellington Srbek, nasceu em Belo Horizonte em 1974. É doutor em Educação e graduado em História pela UFMG, autor e editor de histórias em quadrinhos premiado nacionalmente. Profissional com vinte anos de experiência na criação e edição de revistas e livros, textos informativos e literários. É autor de trabalhos consagrados como o álbum Estórias Gerais e a série Solar, bem como de HQs infanto-juvenis e adaptações literárias.

Resenha originalmente publicada no blog Mais Quadrinhos.



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