Crítica Darkside Books

Golem e o gênio, de Helene Wecker

00:29Universo dos Leitores

Imagine que você seja de uma raça longeva, capaz de viver centenas de anos, seja adepto de uma vida livre, possa assumir qualquer forma e tenha nascido no século VII. Agora imagine que você acorde na virada do século XIX para o século XX, em um lugar que você sequer consegue compreender e percebe que foi aprisionado por um feiticeiro maligno. 

Imagine que você seja um ser criado com o único propósito de obedecer aos desejos de um mestre, sem vontade própria, sem sonhos próprios e sem a capacidade natural de fazer escolhas próprias. Agora imagine que este mestre morra logo após ter lhe trazido a vida dentro de um navio, e que você está totalmente só em um mundo que sequer consegue compreender.

É mais ou menos assim que começa o desenrolar da obra de literatura fantástica “Golem & o Gênio” publicado pela Editora Darkside Books e escrito por Helene Wecker
A Golem, que recebe o nome de Chava mais à frente na historia, foi criada para ser a noiva de um judeu chamado Otto Rotfeld, que solicitou a Yehudah Schaalman a criação de sua golem particular para servir-lhe de esposa.

Um golem, segundo a cabala judaica, é um ser de barro animado, sem vontade própria e que obedece cegamente a um mestre. O problema dos golens é que eles costumam ceder à natureza violenta com que foram criados e acabam por se tornarem máquinas assassinas sem freios tendo que, invariavelmente, ser destruídos para garantir a segurança de todos, inclusive daqueles que os criaram.

Eu já havia ouvido falar da lenda dos golens, se não me engano a primeira vez foi em um capitulo de “Arquivo X”. Mas ao ler o livro, me perguntei desde quando esta lenda é contada (na verdade, queria saber desde quando o ser humano pensa em construir um simulacro de si mesmo, já que hoje são os robôs e clones, enquanto antes eram os golens e os homúnculos) e me surpreendi ao perceber que o primeiro Golem foi ninguém mais, ninguém menos do que Adão (feito de barro, lembra?), só que este Golem tinha algo chamado “livre-arbítrio” e foi criado pelo Todo-Poderoso, assim era um modelo “melhor” que seus congêneres criados pelos rabinos praticantes da cabala.
O Gênio, que recebe o nome de Ahmad mais a frente na historia, nasceu no deserto sírio e foi aprisionado em uma garrafa de cobre por um feiticeiro por volta do século VII, ao ser acidentalmente libertado por um latoeiro de nome Boutros Arbeely. Ele não se lembra de como foi parar dentro da garrafa, tendo como única “prova” de seus infortúnios uma pulseira de ferro (que é mortal para os gênios mas que, misteriosamente, não surte efeito sobre ele) no seu pulso. O Gênio é uma criatura mágica, do folclore árabe, tanto antes do maometismo quanto depois. Os gênios (ou djins) são seres entre os anjos e os humanos, sem substância física como os anjos e dotados de livre-arbítrio como os humanos.

A partir daí a historia se desenrola separadamente, mostrando o caminho de cada um dos protagonistas até o momento em que eles, ao acaso, se encontram no meio da cidade. Deste momento em diante surge uma amizade entre eles, afinal ambos os seres são os únicos de sua espécie naquele lugar e tal singularidade acaba por fazer com que eles se aproximem.

Não poderiam existir personagens mais diferentes entre si do que Chava e Ahmad. Enquanto a golem é retraída, solícita e tem uma vontade enorme de atender os desejos e caprichos daqueles que estão a sua volta, o djinn é extrovertido, possui certo grau de egoísmo e não se furta a ir atrás do que quer, mesmo que o que queira seja uma mulher comprometida. A golem aceita sua natureza que imita a natureza humana enquanto que o djinn odeia ser limitado ao aspecto humano, ambos porem tentam esconder sua real identidade, sabendo que correriam perigo caso as pessoas a sua volta soubessem do que eles se tratam.
A autora descreve com riqueza de detalhes a Nova York daquele tempo, colocando cada personagem em uma comunidade, judaica para a golem e árabe para o gênio. A história cativa e te leva para dentro da época.

Obviamente que o encontro de duas personagens tão distintas não se daria por acaso e no fim percebemos que a historia de Chava e Ahmad estão interligadas por muito mais do que sua natureza mítica.

Os personagens secundários compõem muito bem o quadro do livro, a construção deles foi meticulosa, não sendo deixada nenhuma ponta solta. Méritos para a autora, que consegue mesclar os mitos de duas culturas distintas de forma harmoniosa.

O livro é muito bom! Vale a pena ter em sua coleção tanto pela boa história, quanto pela amalgama mítica contada nela. E mais uma vez, não tem como deixar de se maravilhar pelo acabamento e apresentação produzido pela Editora Darkside Books.
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