A Arte de Voar Antonio Altarriba

A Arte de Voar, Antonio Altarriba e Kim

02:43Universo dos Leitores


Histórias em quadrinhos (ou simplesmente quadrinhos) representam, em uma resposta bem simplificada, a arte de narrar histórias e expressar sentimentos e emoções através de imagens sequenciais aliadas ou não a um roteiro que pode representado por balões e requadros. O gênero engloba uma infinidade incrível de histórias, sentimentos, expressões e situações: nos fazem sorrir, outros nos contam uma bela história de amor, alguns são biográficos, outros nos emocionam e outros tantos são capazes de nos fazer refletir por vários e vários dias, ou até semanas. 

Entretanto, existem alguns quadrinhos que são capazes de nos marcar de uma forma inesquecível, provocando quase todos os tipos de sentimento e fazendo o que toda boa história deve fazer: nos tirar da zona de conforto. Estes quadrinhos nos tocam de maneira única, nos distanciam do presente e fazem com que a gente sinta como se vivesse uma outra vida ao longo da leitura. 



Este é o caso do quadrinho A Arte de Voar, uma graphic novel espetacular de Antonio Altarriba e Kim, publicada no Brasil pela Editora Veneta que vem se destacando cada dia mais com quadrinhos de muita qualidade e elogiadíssimos pela crítica. 




A história começa em 4 de maio de 2001 e abre com drama de um homem deprimido de 90 anos de idade que enfrenta problemas de saúde que o impossibilitam de realizar tarefas simples, como calçar os próprios sapatos. Ao longo da história vamos percebendo que este é só mais um entre tantos golpes do destino em toda sua vida, que aos seus olhos é um compilado de tristezas, fracassos e frustrações. Cansado e deprimido, ele escolhe morrer jogando-se do quarto andar da clínica de repouso onde vive, sentindo-se livre para tomar esta decisão depois de viver 90 anos de uma vida com poucas e ou até nenhuma escolha.

Depois do suicídio várias perguntas surgiram e imediatamente eu quis entender o que levou este homem a por fim à própria vida. E é nesse momento que a história ganha contornos interessantes: seu filho, o autor deste quadrinho, em uma espécie de transubstanciação, passa a narrar a história como se fosse seu pai. A perspectiva desta fusão é bem interessante, já que capta a essência do protagonista e cria uma aproximação com toda a melancolia da história.  

Desde o começo somos confrontados com a infância sofrida, o modo de vida rústico e as agressões verbais e físicas dos irmãos mais velhos e do pai, aliadas à falta de perspectiva de Antonio. Apesar de lutar desde cedo contra a infelicidade que o cerca, Antonio sempre enfrenta várias dificuldades e fracassa em todas as suas tentativas de ter uma vida um pouco melhor. Os raros momentos de felicidade sempre são breves e interrompidos por algum tipo de frustração, como a morte do melhor amigo ou o fiasco na tentativa de emprego longe da fazenda onde morava com a família que tanto o fazia sofrer. 

Toda a vida de Antonio é desenrolada diante de nossos olhos, cheia de detalhes: os conflitos políticos da Guerra Civil Espanhola, seguida pela segunda Guerra Mundial, o casamento, o nascimento do filho, o desgaste do seu relacionamento com a esposa, o fim da Guerra e suas marcas permanentes, a busca por um recomeço e a apatia dos dias que se seguem. 

A cada breve momento de alegria, um golpe do destino surgia para lhe tirar qualquer possibilidade de felicidade contínua. Assim, Antonio sofre contabilizando mais fracassos que conquistas, e sempre tem todas suas expectativas despedaçadas. 

Por essas razões e conhecendo sua história, é impossível não se sensibilizar com o quanto a vida foi cruel com Antonio. Em seus erros e em suas tentativas de acerto, Antonio é um pouco de nós, e representa momentos de decepções, frustrações, ou sonhos não realizados.  
Os conflitos políticos, o fracasso na luta por suas ideologias, as expectativas despedaçadas e a depressão de Antonio são narrados com melancolia e um comovente tom pessimista, mas sem soar piegas ou melodramático. Isto deixa a narrativa ainda mais realista, já que Antonio é um pouco de todos nós em algum momento. A edição ainda conta com o emocionante depoimento do autor da HQ, que, não bastasse a perda do pai, recebeu uma cobrança referente aos 4 dias do mês que Antonio passou na clínica antes de sua morte. Uma cobrança descabida de exatos 34 Euros que comprovam o quanto nossa sociedade pode ser cruel e mesquinha, como foi com Antonio. Vale a pena ler cada linha para conhecer a motivação e o processo criativo da HQ. 

Se você já leu Mausvencedor do Pulitzer de literatura, provavelmente identificou algumas semelhanças entre o quadrinho de Art Spiegelman e A Arte de Voar: os dois quadrinhos são brilhantes, sensíveis, ambos se passam em um cenário de guerra (mais precisamente da Segunda Guerra) e ambos são narrados por seus filhos. Em termos de experiência de leitura fiquei ainda mais comovida por A Arte de Voar, que se tornou sem sombra de dúvidas um dos meus quadrinhos favoritos.

O traço de Kim é incrível e rico em detalhes, dando a densidade que a história merece. O roteiro não poderia ser mais mais emocionante. Me comovi em vários momentos e de certa forma vivi todo o drama de Antonio, como se fosse parte dele também. 

Retardei a leitura e torci para que a história não acabasse, para que ele pudesse encontrar a felicidade em algum momento, como deveria acontecer depois dos momentos difíceis, pra qualquer pessoa. O final? Vocês já sabem, mas os detalhes e o ponto de vista de Antonio vou preservar para que você possa descobrir por conta própria. Espero que seja uma experiência tão incrível pra você quanto foi pra mim. 




Gostou do quadrinho? Compre aqui:
Submarino:http://migre.me/uhMfC




                                                                        

You Might Also Like

0 comentários

Obrigada por participar do nosso Universo! Seja sempre muito bem vindo...

Acompanhe nosso Twitter

Formulário de contato