As coisas simpáticas da vida Crônica

Uma poesia bem perto da gente, de Felipe Braga Netto

10:22Isabela Lapa

No dia da crônica, mais uma crônica do Felipe Braga Netto, que você encontra no livro As Coisas Simpáticas da Vida, que é um livro lindo, ótimo para ter na estante e para presentear... Confira:


Uma poesia bem perto da gente   

“São pequenas obras-primas de emoção, ironia, argúcia, piedade, malícia e, sobretudo, maestria na escrita. (...). Mas há que ser com jeito, quase como quem não quer: se a intenção reponta clara demais, a crônica fica ruim ou escapa à sua natureza. É artigo, é ensaio. Por isso é um gênero difícil, sob a aparente facilidade”.
Antônio Cândido


Li dia desses, levemente surpreso, que a crônica está para a literatura brasileira assim como o chorinho está para nossa música. Que a tomamos emprestada – da França do século XIX – e aqui a desenvolvemos bem brasileiramente.

Olha só – pensei com felicidade –, olha só... Então a crônica tem gosto brasileiro? Minha ignorância não sabia disso. Mas gostei e logo abracei a revelação – pensando bem, não podia ser diferente: a crônica deve muito de seu sabor a uma visão das coisas que, se não é brasileira, tem muito daqui.

Eu as acho tão simpáticas... Leves, sem pretensão, espontâneas e líricas, dizem uma porção de coisas com um jeitão de quem não está dizendo nada. Chegam meio ao acaso, falam disso e daquilo e vão embora. Nos deixam pensando no que foi dito. Nela, o autor pode uma coisa raríssima – pode ser ele à vontade. É isto: pode-se brincar de ser si próprio. Isso é raro hoje não acha? Lá fora brincamos (talvez o verbo não seja esse) de ser outras pessoas, assumimos papéis, dizemos coisas que não entendemos nem acreditamos no fundo. Escrevendo, o autor pode dar um chute nisso tudo, eu acho que pode, eu acho.

Na crônica pode-se confessar que não sabemos tudo, que não sabemos nada, que sentimos (sim, sentimos) medo, dúvida... E que somos tantas vezes ridículos.

É uma literatura com simplicidade. Há quem pense que não é literatura nem nada eu já me preocupei em querer mostrar que é – vejam como eu andava enganado. Meu amigo, ache que o que quiser, o achar é todo seu. Ando tão sem tempo para pessoas livros e achares pedantes que a única coisa que peço é que minha vidinha esteja aqui e a deles lá. Só isso. Nada disso me faz falta, não faz.

O que me faz falta (e não pouca) foi um pedido de namoro que não fiz – numa tão distante adolescência – para minha amiga de sala de inglês, como você se chamava mesmo? Sei que você tinha uma quedinha por mim, eu acho. Mas eu era tão tímido! Você sorria de modo doce, um sorriso só meu que durava séculos ou segundos, lembro disso. Sorria quando eu dizia coisas em inglês que esqueci – mas deviam ser boas frases. Devo confessar algo. Devo confessar, mesmo depois de tantos anos, que numa aula vi por acaso seus lindos seios brancos – o que me perturbou um pouco e não devo ter sido muito fluente nessa aula. Eram seios quase alemães, lembro que seus pais ou avós eram de lá, lembro algo assim. Como são as coisas. Tantas aulas, tanto inglês, e a única coisa que lembro agora é disso. É.

Vocês viram como são as coisas? Eu falava honestamente da origem da crônica e assuntos escusos tomaram o lugar. A gente, o escritor, pode pouco, acreditem em mim. Esses assuntos querem dirigir o mundo e tomar o poder, que coisa. Só de vingança vou apagar vários parágrafos eruditos que estavam aqui, apago e não preciso mais deles. Tchau.

Digo só que crônica, ao contrário do que alguns pensam, não é datada. Crônica como eu a vejo é algo atemporal. Algo que eterniza o que seria fugaz sem ela. E também não pode ter pose, se tiver fica ruim. O que dá qualidade ao texto, a qualquer texto, é a sensibilidade, não é o assunto. Eu sempre digo isso porque realmente acredito nisso.

Gosto do olhar delicado, gosto de certa cordialidade no dizer. E não é o tamanho do texto ou o caráter obscuro do que está sendo dito que faz algo maior ou melhor. Ouvi uma vez esta verdade: se você agitar a água de uma poça ela continuará com a mesma profundidade. E talvez a crônica seja um espaço privilegiado para o escritor porque a magia não pode ser longa. O lirismo exige brevidade para nascer.

Felipe Braga Netto.

Para ler outras crônicas do Felipe é só clicar aqui!

Beijos... 

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1 comentários

  1. Opa. Boa tarde. Já chequei querendo algo, então deparo com a crônica do Felipe, segundo ele. As palavras me encantam. Falei. Fui.

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