Daniela Arbex Geração Editorial

Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex

11:26Isabela Lapa

O que era um simples sanatório particular para tratar dos portadores de tuberculose, se transformou em um hospício e foi palco de uma das maiores atrocidades já vivenciadas no Brasil. Conhecido como "Colônia", o hospital psiquiátrico localizado na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, era um verdadeiro refúgio para as minorias. Não existiam parâmetros pré estabelecidos para as internações, ela se davam de acordo com o interesse político ou social dos representantes do poder ou, simplesmente, do dinheiro.

O local abrigava alcoólatras, prostitutas, epilépticos, esquizofrênicos, homossexuais, adolescentes que engravidavam antes do casamento, esposas de políticos que queriam viver com as suas amantes etc. De acordo com as estimativas, 70% dos habitantes do estabelecimento não possuíam problemas mentais e não deveriam ter passado por lá. 

No entanto, uma vez que chegavam ao local, eram tratados como animais. Viviam nus, passavam frio, dormiam ao relento e muitas vezes se alimentavam de ratos e tomavam água de esgoto. Destituídos de qualquer dignidade ou orgulho, não tinham poder de escolha, de opinião ou de pensamento. Muitas vezes, se esqueciam até mesmo do nome. 

A verdade é a que a Instituição se tornou um comércio de cadáveres. Em média 16 óbitos ocorriam por dia e os corpos, sem destino e sem família, eram vendidos para Universidades de Medicina. Aqueles que não eram de interesse, eram banhados em ácido no pátio, diante dos outros internos. 
Os funcionários, que nem sempre estavam de acordo com a situação dos moradores do local, não tinham voz ativa e qualquer tentativa de denúncia ao sistema era punida com demissão. Com isso, muitos se calaram por anos a fio. 

Após anos de abusos e de atrocidades, a situação começou a melhorar em 1979, época em que a reforma psiquiátrica ganhou espaço em Minas Gerais. Atualmente, o local é mantido pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais e conta com aproximadamente 160 pacientes da época em que o local era como um campo de concentração. Infelizmente, nenhum dos responsáveis foi punido e a tragédia foi intencionalmente esquecida pelo tempo. 

No entanto, a jornalista Daniela Arbex, no livro "O Holocausto Brasileiro" publicado pela editora Geração Editorial, conseguiu trazer à tona inúmeros fatos do período. Por meio de entrevistas exclusivas com antigos moradores e funcionários, além da coleta de dados e informações da época, a escritora conseguiu escrever uma obra completa, com informações detalhadas e precisas sobre os acontecimentos que marcaram e chocaram uma época.

O interessante é que ela não se preocupou em contar apenas os fatos trágicos e chocantes. Com uma delicadeza ímpar, ela retratou aqueles que conseguiram sobreviver e reconstruir os seus caminhos e também os que tentaram fazer a diferença e lutaram para conferir um mínimo de dignidade aos seres condenados em vida. Um destaque nessa luta foi a freira Mercês, que com garra e coragem conseguiu trazer a esperança em meio ao caos e mostrou à população que os doentes mentais também são seres humanos e merecem respeito.  

Acerca do título, Daniela explica: “Dei esse nome primeiro porque foi um extermínio em massa. Depois porque os pacientes também eram enviados em vagões de carga (ao manicômio). Quando eles chegavam, os homens tinham a cabeça raspada, eram despidos e depois uniformizados”.

Com uma linguagem simples e bem construída, a escritora nos leva a uma viagem no tempo. Uma triste e impactante viagem. O prefácio, escrito por Eliane Brum, define bem o que encontramos no livro: o inferno

Além de informar, Daniele consegue tocar o leitor, afinal, é impossível se sentir alheio aos fatos. 
Algumas passagens:

"Assim como a interna Celita Maria da Conceição, ela passou as próprias fezes no corpo durante o período em que esteve grávida no hospital. Questionada sobre o ato repugnante, Sônia justificou: - foi a única maneira que encontrei de ninguém machucar meu neném. Suja deste jeito, nenhum funcionário vai ter coragem de encostar a mão em mim. Assim, protejo meu filho que está na barriga."

"É difícil compreender como, depois de tanto anos de sofrimento, Elzinha ainda consegue sonhar. O fato é que a casa onde ela mora tem alma. É possível sentir isso desde a entrada, onde a varanda desperta sensação agradável."

"Em Barbacena, o jovem experimentou a covardia e a escravidão. Recrutado por um funcionário do hospital que decidiu ganhar dinheiro nas costas daquela gente, Luiz passou a construir, de graça, casas populares que o tal homem vendia. A exploração da sua mão de obra, no entanto, não foi o que mais doeu, e sim as humilhações impostas." 

"Enquanto o silêncio acobertar a indiferença, a sociedade continuará avançando em direção ao passado de barbárie. É tempo de escrever uma nova história e de mudar o final."
Para finalizar, é essencial mencionar que a Geração Editorial caprichou na Edição do livro e conseguir trazer charme e sensibilidade à história cruel retratada no livro. A impressão foi feita em papel de ótima qualidade, as fotos estão tocantes e dá para perceber o cuidado da Editora em cada detalhe. 




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