A Mocinha do Mercado Central A sobrinha do poeta

A literatura sensível e inteligente de Stella Maris Rezende

10:44Isabela Lapa

No início do mês de setembro, Stella Maris Rezende conferiu uma entrevista a nosso blog (veja aqui) e em uma das perguntas realizadas ela disse que "não importa se o público é infantojuvenil ou adulto. O essencial é fazer arte, ter um projeto estético. Trabalhar a linguagem é o principal". Esta resposta foi suficiente para despertar o meu interesse pelos seus livros e admito que o que encontrei em cada uma das suas páginas superou todas as expectativas que eu havia criado. 

Com uma linguagem poética, bem estruturada e extremamente criativa, a trilogia da escritora, publicada pela Editora Globo Livros, nos leva a uma viagem pelo mundo da imaginação e da infância de uma forma tão doce e madura que merece ser lida por públicos de todas as idades.

Todas as histórias são igualmente inteligentes e bem estruturadas e não tem como não se emocionar com os acontecimentos, as alegrias, as aventuras e as dores das personagens, sempre bem desenvolvidas e com características marcantes. Em cada um dos seus livros temas relevantes são abordados e Stella comprova que com a devida sensibilidade e o devido cuidado, todos os temas podem ser explicados para as crianças.

Ultrapassadas essas questões gerais da trilogia, vou contar um pouco sobre cada livro, para que vocês possam ter uma noção do que vão encontrar.
A MOCINHA DO MERCADO CENTRAL

Maria Campos era uma menina simples e sonhadora de Dores do Indaiá. Fruto de um estupro sofrido pela mãe, ela nunca conheceu o pai, no entanto, sempre recebeu todo o amor e carinho da mãe, que apesar do sofrimento e dos traumas, via a filha como uma grande benção. 

Maria tinha duas paixões: significados dos nomes e Selton Mello. Quando deixou a cidade de Dores do Indaiá e começou a sua aventura ao redor do país, optou por usar um nome em cada cidade, afinal, para ela, eles eram grandes responsáveis pela formação da personalidade. Ao longo do caminho de descobertas e aprendizados, ela foi Zoraida, Gilda, Selma, Nídia etc. Para cada nome um sonho, uma aventura e um acontecimento importante.


"Lá ela se chamava Teresa, "a que carrega as espigas de trigo". Quer dizer, naquela vida ela seria uma moça prestativa, prestimosa, a que chega aos lugares trazendo as coisas de que as pessoas mais precisam. (...)"  

Além da questão interessantíssima acerca dos nomes, que foi abordada de forma magnífica pela escritora, um destaque foi a participação de Selton Mello como personagem. O encontro da personagem com o Selton foi um acontecimento tão inesperado e agradável que eu me imaginei conhecendo um grande ídolo e tendo a oportunidade de passar alguns momentos ao lado dele. 


"Selton Mello estava de pé, apontando para a cadeira ao lado da dele. 
Com um sorriso que não conseguia se conter, Nídia foi se aproximando. 
Devagar, sem fitar os olhos dele, com o sorriso desaparecendo, ela sentou".

Também é preciso mencionar que na viagem a São João Del Rey um encontro importante aconteceu e os rumos da vida da garota foram alterados de forma surpreendente e completamente emocionante! Esse fato lhe conduziu a novos questionamentos e novas dúvidas, confirmando as incertezas e mistérios da vida. 


"Um dia ela contaria a ele sobre as viagens que fez, ao decidir por esse ou aquele nome? Contaria cada experiência, cada sonho, cada possibilidade?
Não sei, ela disse.
Não sei, assim recomeçava o filme da vida deles".

Posso dizer, sem medo de errar, que é na simplicidade da história que reside a sua beleza e a sua complexidade. 

Destaques: 

- Este livro venceu o Prêmio Jabuti 2012 na categoria Melhor Livro Juvenil e Jabuti de Livro do Ano de Ficção. 

- A abertura do livro foi escrita pelo ídolo de Maria, o Selton Mello. 
A SOBRINHA DO POETA

Em "A Sobrinha do Poeta" somos conduzidos a uma envolvente e misteriosa trama que se passa na cidade de Dores do Indaiá. Quando escritos misteriosos começaram a aparecer nos livros da "sexta prateleira de baixo para cima da sexta estante diante da janela de vidro", os moradores da cidade ficaram agitados, preocupados e ansiosos para saber quem era o verdadeiro responsável por aquele ato. 


"O tempo foi passando. O caso dos escritos nos livros da sexta estante e sua sexta prateleira de baixo para cima diante da janela de bisotê foi se espalhando por Dores inteira. 
Dores inteira diante da janela de vidro bisotê". 

Alguns só pensavam em descobrir, outros tinham certeza de que a proeza era da Leodegária, a única que realmente se interessava por livros na cidade e que era sobrinha do poeta Emílio Moura. Enquanto isso, um menino começou a ter pesadelos com os acontecimentos, que na visão da diretora da biblioteca eram uma violação ao patrimônio público.

"Leodegária pensou em dizer: não acho bom uma pessoa escrever com canetinha iriscor num livros da biblioteca da escola de Dores, mas o mais grave é que há poucos leitores em Dores. Daí, a gente saber que temos um leitor que também gosta de escrever dá um alívio sabe? O erro passa a não ser tão grave assim. Precisamos olhar tudo isso com outros olhos. O mais importante é o incondicional direito de ler e escrever". 

Com um narrativa poética e repleta de características da linguagem mineira, a história se desenvolve de forma extremamente agradável e lúdica. Ao mesmo tempo em que apresenta os acontecimentos gerados pelos textos que apareciam nos livros, Stella permeia o psicológico dos personagens e nos mostra a essência dos conflitos da alma humana. 

O gostoso dessa obra é que o mistério permanece até o final e a sensação de não saber quem é o grande responsável por toda aquela agitação instiga, prende a atenção e não nos permite largar o livro. 


"A pista era um mistério.  Ele só saberia que aquela era a indicação orientação resposta quando a lesse com o olhar de alguém que lê as palavras pelo simples prazer de lê-las, por causa do som das palavras, por causa da música das palavras, pela simples existência das palavras, (...)".

Também é importante mencionar que o livro demonstra a importância e as maravilhas da leitura, o que é essencial para desenvolver o gosto das crianças pelos livros. 

Destaques: 

- No livro encontramos a íntegra do poema A Casa, de Emílio Moura e ao longo da história versos do mesmo são colocados no texto. 

- O livro ganhou o prêmio "Bolsa para autores com obra em fase de construção", da Fundação Biblioteca Nacional. 
AS GÊMEAS DA FAMÍLIA

Neste livro, que encerra a trilogia "A Mocinha do Mercado Central", conhecemos três irmãs gêmeas que viveram no ano de 1965. Além de enfrentarem os dramas da Ditadura Militar as meninas eram marcadas por uma maldição de família e uma promessa da mãe. Mesmo não sendo amigas entre si, elas cultivavam um amor em comum: a música de Rita Pavone, uma cantora italiana de música pop.

Em razão desse enorme sentimento pela cantora, elas se uniram para fazer uma viagem ao Rio de Janeiro e assistir a um show de Rita. Essa viagem mudou o rumo das três, que se tornaram amigas inseparáveis em razão das alegrias e das dores que sofreram nos dias em que estiveram na cidade maravilhosa.

Vários pontos chamaram a minha atenção neste último livro, que sem dúvida se tornou o meu preferido entre os três:

- Os nomes das três irmãs: Maria da Caridade (Rosade), Maria da Fé (Azulfé) e Maria Esperança (Verdança);


"Rosade: - Em nome do meu nome, faço a caridade de suportar vocês, mas assim que eu puder, desapareço no mundo, igual o meu pai fez."

"Azulfé: - Em nome do meu nome tenho fé de que ainda terei uma vida inteira de felicidade sem nenhuma maritaca gêmea perto de mim, ara se vou."

"Verdança: - Em nome do meu nome mantenho a esperança de que não preciso me livrar de vocês. Para mim, já é como se não existissem, eu sou filha única."

- A narrativa em terceira pessoa foi estruturada sob o ponto de vista dos objetos que estavam ao redor das personagens e que observavam algo sobre elas. Assim, conhecemos as garotas pela ótica do retrato, da máquina, da maçaneta da porta, do calor da tarde etc. 


"Mesmo consciente da má vontade que as filhas tinham em relação à mãe, a maçaneta gostava das trigêmeas. Gostava dos mistérios que as cercavam ou viviam dentro delas.  Era uma maçaneta sempre atenta, solícita, prestativa. E aprendera muito sobre as pessoas, desde que fora instalada naquela casa". 

- Trata-se de uma história de amadurecimento. Stella mostrou que a vida não tem regras pré estabelecidas, mas que em suas surpresas, curvas, desgostos e dores que nos tornamos pessoas melhores e mais fortes. A leitura ensina a importância de ter amigos e de estar aberto às mudanças. 


"- Vivemos bem embora às vezes a gente se estranhe. As pessoas às vezes se estranham. As coisas às vezes se estranham. O estranhumano está em toda parte". 
São três livros para jovens leitores que merecem ser lidos por leitores de todas as idades. Poéticos, inspiradores, inteligentes, bem construídos e inesquecíveis!  Entre os livros atuais do gênero, eles já estão na minha lista de preferidos bem ao lado da minha amada coleção da Adriana Falcão. 
                                     

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