Crítica Livros

O Avesso, de Walfrido Nacimento

00:00Universo dos Leitores

Em um mundo marcado por diversos conflitos raciais e infinitas lutas por poder e dominação social, nós crescemos sabendo da triste e injusta diferença entre negros e brancos. Do prisma conhecido na história e vivenciado por todos, os brancos, por um grande período, reduziram nos negros à condição de escravos, colocando-os em situações sub-humanas e degradantes. 

Pois bem... Nesse livro o que acontece é exatamente o contrário! Com muita originalidade e criatividade, o escritor Walfrido Nascimento narrou a história do mundo colocando os negros como poderosos e os brancos como escravos. Exatamente por essa inversão da realidade que o livro foi intitulado de O Avesso, tendo o escritor explicado, logo no Prefácio, que tudo o que escreveu surgiu a partir da sua constante mania de questionar os acontecimentos e tentar imaginá-los sob outra perspectiva. Por tudo isso, entendo que a premissa básica da história foi o eterno e incansável "e se"?

E então, já imaginou como seria o mundo se lá no passado as coisas tivessem sido diferentes? Ora, a ideia de poder, superioridade, controle, dominação e exclusão é típica dos brancos ou é simplesmente natural à condição de todo ser humano, independente da cor?

Todas essas questões foram abordadas na história a partir do momento em que um navio que transportava uma família de nobres e que conduzia escravos que seriam comercializados, se perdeu e chegou a uma ilha deserta. 

Sem saber como solucionar a questão até que fossem encontrados, os negros foram obrigados a aceitar a convivência com os brancos e, para isso, decidiram estipular regras e limites. Acontece que mesmo diante das normas e dos limites impostos, a desconfiança nunca deixou de existir entre os grupos. 

Após um longo período no local, convictos de que morreriam por lá, decidiram se reunir para discutir a questão e, ao final da conversa, optaram pela tentativa de uma convivência em comum entre os grupos.

"Daí para frente nada mudou nas relações entre os dois grupos. Na semana seguinte, tomariam a difícil decisão: viver brancos e negros numa ilha deserta, tendo que dividir o mesmo espaço, a mesma comida e as mesmas regras. Será isso possível? Só o futuro diria."

"E assim a vida vai correndo na ilha. Desconfiança, esperança, medo, ódio, saudade e solidariedade se misturam, se confundem e se afloram a cada momento, como vulcões, como furações que açoitam aqueles seres que o destino, Olorum ou Jesus resolveram juntar numa aventura única, onde cada passo é uma longa e sofisticada caminhada. Rumo a quê?"
Acontece que como em todos os momentos polêmicos em uma sociedade, independente do tamanho da mesma, existem os que concordam com a mudança, os que não concordam e aqueles que fingem concordar, para em seguida mudar as táticas do jogo.

A verdade é que independente dos posicionamentos, em pouco tempo começaram a surgir os "mulatos". Essa situação, ao mesmo tempo em que pacificou a relação entre alguns, intensificou o ódio de outros, criando um universo de intrigas, mentiras, guerras e tentativas incansáveis pela manutenção do poder ou pela conquista do mesmo. 

Todos esses problemas, que se tornavam  mais intensos na medida em que a "República dos Mulatos", como denominaram o local, ia se ampliando e se desenvolvendo, tornaram-se ainda maiores e mais complexos quando o local foi descoberto.

"- Meu plano não permite testemunhas. Ninguém, jamais, poderá saber da existência da ilha nem da República dos Mulatos. Vocês, vivos, não somente revelariam a história dos teutos como me denunciariam pelo assassinato dos tripulantes e passageiros do navio, portanto, vocês morrerão."
Dizer mais que isso é estragar a história do livro, que foi construída com uma riqueza incrível de detalhes... Os cenários foram bem descritos e bem caracterizados, os personagens e os locais receberam nomes característicos de épocas mais remotas e o escritor cuidou até mesmo de criar um possível linguajar diferenciado para enfatizar o distanciamento entre os negros poderosos e os brancos escravos. 

"As estranhas palavras usadas pelos teutos são de seu dialeto e servem para designar alguns nomes e coisas. A forma escrita é como os negros entendiam a pronúncia daquelas palavras, embora não soubessem o significado. Somente muito mais tarde viriam saber que Cônigue significa rei; Erzogue, barão; Faiden se referia a inimigos; (...)"

Também é preciso destacar a narrativa inteligente e original, que apresenta um texto coerente, sem pontas soltas e muito bem escrito... Sem dúvida um livro original, que superou as minhas expectativas do início ao fim. Ou melhor, como dito na última linha da história "Fim?".

Ah, um destaque para a capa linda e com cores vibrantes que caracterizou com perfeição a ideia do livro. Um mérito do ilustrador Geraldo Martins. Alem disso, a impressão está em folhas amarelas que facilitam (e muito) a leitura, já que não cansam as vistas.
Confiram...

Para adquirir o livro, acessem o site da Editora C/Arte.







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