Crítica Destaque

Lisbela e o Prisioneiro, de Osman Lins

00:00Luiz Ribeiro

Foto: Minha Vida Literária


O teatro é sempre um sintoma dentro de nossa literatura. Mais do que um espelho da nossa sociedade, o teatro é capaz de, nas entrelinhas entre texto, direção e atuação, apresentar elementos essenciais e, muitas vezes, escorregadios, da nossa cultura. Enquanto a literatura pode emular movimentos e o cinema pode planejar viagens, o teatro sempre será o raio x de um tempo e de uma história. No caso de Osman Lins, um dos maiores escritores brasileiros, o teatro serve como exemplo, como sintoma, de que a cultura popular brasileira transcende e ultrapassa aquilo que os manuais poderiam planejar. A simplicidade de Lisbela e o Prisioneiro é apenas aparente, pois seu resultado é a potência da literatura dramática e da cultura brasileira.



Lisbela e o Prisioneiro é o grande sucesso do romancista, poeta e dramaturgo Osman Lins. A peça de teatro em três atos conta a história de Leléu, um malandro que está preso e, a fim de fugir do cárcere, acaba por se envolver com a filha do Tenente Guedes, Lisbela. No entanto, por conta das atitudes de Leléu, ele está ameaçado de morte por Francisco Evandro, um matador de aluguel que prometeu vingança. Leléu, de dentro da prisão, monta um esquema que envolve uma série de peripécias e aventuras na tentativa de escapar da morte e conseguir, ao fim, ficar com Lisbela. Consagrada pelo cinema na pele de Selton Mello e Débora Falabella, Lisbela e o Prisioneiro se tornou um dos grandes filmes nacionais dos últimos anos.



Essas coisas, essas valentias, essas espertezas, esses saltos, nunca acontecem na vida.



Filiada ou bastarda das comédias de costumes (ou comédia de situações) de ampla tradição farsesca, desde as obras de Moliére, passando pela comédia dell’arte e chegando no teatro popular brasileiro, desde Ariano Suassuna até as peças de feira, Lisbela e o Prisioneiro se utiliza da criação dos tipos para a composição de sua obra, característica muito comum neste tipo de teatro. Vemos, então, um desfile destas figuras farsescas como o Tenente Guedes, o autoritário atrapalhado, Citonho, o velho cheio de manias, Dr. Noêmio, o homem que foi pra cidade, aprendeu modos e ficou “bobo”, Frederico Evandro, o vilão que quer destruir o principal e, claro, Lisbela, a mocinha apaixonada e Leléu o malandro que consegue dar a volta em todos.



O mais interessante é que, partindo destas figuras, a obra é capaz de refletir sobre as lutas internas, de classe, de educação, de poder e de jogos de força que há em nossa cultura. O saber do Dr. Noêmio pode lhe dar um certo status, mas ao lado de Leléu, aquele que tem o saber do “mundo”, perde seu poder, sua validade, enquanto que por mais que Leléu se esforce para ser um homem desses, será sempre aquele a ser perseguido, a viver a margem.



Esse mundo é assim. O sujeito nunca é o que nasceu pra ser.



E o autor, Osman Lins, autor de grandes obras do século XX como Avalovara, O Fiel e a Pedra e O Visitante, desta vez, buscou uma aproximação mais direta, sem a mediação da narração e da linguagem literária reflexiva trabalhada para montar sua obra. Apesar disso, o que mais e destaca, dentre as peripécias da obra é que, em muitos momentos, Osman consegue deixar escapar alguns traços de suas demais narrativas, como na fala de Lisbela:



Aí eu fui. Fui e vou toda vez que ele me chame. Não precisa nem que ele me fale. Nem que me olhe. Basta estalar os dedos. Vou feito cão, mas coroada, vocês me compreendem? Feito uma rainha.



No entanto, o toque literário, de um esforço romântico que invade a narrativa, não invade o todo, rompendo-o, pelo contrário. Por se tratar de uma narrativa aberta, ou seja, em que os tipos se justapõe mesmo em suas diferenças, o resultado é uma rede complexa de significados e narrativas atravessando a narrativa maior.



Lisbela e o Prisioneiro, de Osman Lins, é uma obra que merece lugar dentre as grandes peças de teatro da cultura popular, como as peças de Martins Pena e, até, os escritos de Ariano Suassuna. A complexidade simples e a simplicidade altamente complexa da obra é de se destacar. Vale a pena a leitura!


*Post original no NotaTerapia

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