Escritores Maiesse Gramacho

Entrevista com o escritor Edison Veoca, por Maiesse Gramacho

00:00Universo dos Leitores

 
Crédito da foto: Divulgação/Arquivo Pessoal
"Ler boa literatura é para quem quer e não para quem pode"

Que o Rio de Janeiro é rico em belezas, todo mundo sabe. Também é senso comum que a cidade é um dos principais celeiros culturais do País, se não o maior. Entre famosos e desconhecidos, circulam artistas das mais variadas estirpes. No Rio abundam poetas, atores, músicos, compositores... para nossa alegria, amém!

A última vez que a brasiliense que vos escreve esteve por aquelas bandas foi em outubro de 2016. Entre um passeio e outro, conheci o poeta de versos argutos Edison Veoca.

Agora, no fim de maio, será a vez de Veoca visitar Brasília. Ele vem prestigiar um projeto inovador, o Movida Literária, gestado por escritores radicados na capital federal, como o gaúcho Jéferson Assumção e mato-grossense Nicolas Behr (saiba mais aqui).

Preparando-se para desembarcar na cidade, com poemas e histórias na bagagem, Edison Veoca nos concedeu esta preciosa entrevista. Boa leitura!


Começando pelo começo, sua trajetória: como e quando passou a escrever poesia?
Na verdade, a primeira vez que escrevi algo parecido com um poema foi uma carta de amor para uma menina da escola. Eu tinha 11 anos. Ela não deu muita bola; mas daí descobri que gostava mais da poesia contida nos meus escritos do que dela!

Como surgiu seu interesse pelas artes, em especial a literatura e o teatro?
A literatura surgiu primeiro. Quando fiz 12 anos, um irmão me deu um livro de presente: Os meninos da Rua Paulo, de Ferenc Molnár. Eu já havia lido outros livros, mas esse foi o estopim para que eu passasse a ler quase que compulsivamente. O teatro foi um achado que surgiu aos 16 anos. Participei como ator de diversas peças, escrevi algumas, dirigi outras... O Grupo Teatral Raiz da Liberdade, do qual eu participava,  ganhou o festival organizado pela FETAERJ (Federação de Teatro Associativo do Estado do Rio de Janeiro), um feito histórico. O teatro, com certeza, moldou em mim a forma de recitar o poema, fiquei mais performático.

Que autores você lia então e que autores fazem sua cabeça atualmente?
Eu li e leio muitos autores nacionais e estrangeiros, tanto em prosa quanto em poesia. Leio autores desconhecidos do grande público, mas excelentes, como Luiz Otávio Oliani e André Luiz Pinto. Entre os autores que presto reverência estão: Maiakóvski, Guimarães Rosa, Dostoiévski, Edgar Allan Poe, Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto, Paulo Leminski, Helena Ortiz, Armando Freitas Filho, Olga Savary, Fernando Pessoa e, mais atualmente, Manoel de Barros. O intrigante é que, hoje em dia, ler boa literatura é para quem quer e não para quem pode. Impressionantemente, temos mais acesso a tudo que queremos ler, e cada vez mais se lê futilidades.

Vivendo em uma cidade como o Rio de Janeiro, certamente você teve contato com outros poetas, escritores, artistas. Isso procede? Se sim, como foi ou é esse contato?
Sim, procede. Desde a década de 1980 eu participo ativamente da poesia carioca e nacional. Ao longo desses anos, conheci diversos poetas, artistas plásticos, músicos, atores... Entre os poetas posso destacar nomes como Chacal, Carlito Azevedo, Paulo Lins, Armando Freitas Filho, Cairo de Assis Trindade, Tanussi Cardoso, Thereza Roque da Mota, Delayne Brasil, Teresa Drummond...

Você participa, ou participou, de algum movimento poético da cidade? Conte sobre a experiência.
Sim. Creio que não haja um evento de poesia no Rio com mais de dois anos de criação que eu não tenha participado. Agora, os que mais me influenciaram foram CEP 20.000; Os Descaravelados; Poeta, saia da gaveta; CAOS (Companhia Artística de Oposição ao Sistema); Passe na praça que a poesia te abraça; Ponte de Versos; Poesia de Esquina; e Pelada Poética. Esses eventos são de extrema importância para a avaliação do nosso trabalho em relação aos nossos contemporâneos. De certa forma, nos permite ter uma "crítica" do que estamos escrevendo, lendo ou recitando. E, para quem inicia, são a porta de entrada para que seu trabalho seja visto, avaliado, lido e conhecido.

Sei que você conhece e conviveu com Paulo Lins, autor bastante importante no cenário cultural brasileiro contemporâneo. De alguma forma, Lins foi uma influência? Como você observa o reconhecimento e o alcance que a obra dele obteve, inclusive internacionalmente?
O Paulo Lins foi uma boa influência, sobretudo em relação à leitura de autores estrangeiros como Rimbaud, T. S. Eliot, Dostoiévski, Erza Pound etc. O reconhecimento que teve foi mais que merecido, é um grande autor. Lutou bravamente para escrever Cidade de Deus. Convivi com ele e com o livro por mais de uma década. Num determinado momento, quando a obra já estava bem adiantada, ele me ofereceu coautoria, mas não aceitei por entender que o sangue e o suor eram dele, embora eu lesse o livro quase que quinzenalmente para ajudar com ideias e correções. Vi o sacrifício que é escrever um romance deste porte no Brasil, com pouquíssima ajuda. E ainda vejo viva a ideia de que a literatura não é para negros, pobres, favelados e nordestinos. Infelizmente. Cidade de Deus ganhou o mundo pelo simples fato de ser uma grande obra literária. Se o trabalho for bom irá, em algum momento, aparecer. O romance Cidade de Deus é a prova indubitável disso. Ele conseguiu atravessar a barreira da dificuldade. Ao Paulo, grande amigo, toda a sorte do mundo!

Você se dedica exclusivamente aos versos ou se aventura na prosa?
Minha praia é a poesia. Porém, me arrisco na prosa. Estou com um romance em andamento além de alguns contos.

Como nascem seus poemas? Experiências pessoais, abstração...? Há algum tema que persiste, ou seja, que volta e meia aparece em seu trabalho? Qual seria?
O poema em mim nasce, quase sempre, de um verso que considero bom. Fico convivendo com esse verso por tempo indeterminado. Faço várias mudanças e associações, brinco com ele, me irrito com ele, ora o amo, ora o odeio, o leio, inclusive em voz alta, para sentir seu ritmo sonoro. Só então o poema vai ganhando corpo – quem define o andamento do que vou desenvolver no poema é justamente esse primeiro verso: se é de amor o poema tenderá a seguir esse fluxo, se é político seguirá o mesmo padrão. Os temas que mais persistem em minha poesia são o político e o existencial.

Sua poesia tem um quê de melancolia, de desesperança. Mostra que estamos de passagem, somos seres frágeis, efêmeros. Uma sensação de impermanência. Estou certa nessa impressão?
Melancolia sadia, sim. Desesperança, nunca. Agora, que estamos de passagem, que a vida é frágil e que o tempo neste plano é efêmero... até demais, não tenho dúvidas. Quando escrevo um poema, nunca sei o que o leitor irá sentir ou interpretar. Muitas vezes, o mesmo texto lido em momentos diferentes da vida ganha significados diferentes.

Como avalia o mercado editorial brasileiro no que tange a novos autores? Há espaço para novas "vozes"?
O mercado literário brasileiro nunca foi fácil. Os recursos – tanto públicos quanto privados – são parcos, o estímulo é precário e a peneira das grandes editoras é muito estreita para os iniciantes. Eu, por exemplo, atuo na literatura já faz um bom tempo, mas, para o mercado editorial, sou iniciante. No entanto, acredito que novas vozes sempre vão existir; o problema é manter o fôlego até atravessar a arrebentação.

Você ainda não publicou um livro, embora tenha poemas publicados aqui e acolá. Pretende publicar? Há uma previsão de quando isso deve ocorrer?
Pretendo publicar, ainda neste ano, o livro de poemas Os Sentidos. Estou com um de poemas eróticos em andamento, além de um de contos e um romance. Tenho poemas e contos publicados por todo o Brasil e também no exterior.

Quais autores considera leitura obrigatória, especialmente para quem tem pretensões literárias?
Os grandes clássicos da literatura mundial. Em outras respostas citei o nome de alguns, já é um excelente começo. Tenho convicção de que é lendo os bons escritores que conseguimos refinar a arte de escrever. A literatura é como o amor: melhor se for amplo.

Em um de seus poemas, Charles Bukowski diz, entre outras coisas: "A não ser que saia espontâneo e sem permissão do seu coração, da sua mente, da sua boca e suas entranhas, não escreva". Que conselho você dá a quem quer começar a escrever?
Bukowski é um clássico da literatura mundial, um gênio na habilidade com a palavra. Essa espontaneidade a que ele se refere, a meu ver, significa não ter preconceitos com o que se escreve. Se eu posso dar um conselho, é este: deixe sua literatura brotar livre, embora a busque com fome, com transpiração. Conviva com seus escritos, com seus personagens, com sua poesia. Permita que estes coexistam com você, com todos conflitos que possam gerar, até ganharem uma forma "definitiva".

Ainda neste mês de maio, você vai participar do Movida Literária, em Brasília, projeto que busca valorizar a nova literatura nacional e promover conversas entre novos autores e outros já reconhecidos, como Nicolas Behr, Jéferson Assumção e Marcelino Freire. Quais as expectativas para esse encontro?
A expectativa é a melhor possível. O Nicolas Behr eu conheço, de obra e pessoalmente. Estou certo de que encontrarei muita gente "fera".  Estou para a literatura como o surfista para a onda: me sinto vivo nesse mar. O que mais espero é poder trocar experiências com todos, desde os novatos aos mais experientes. A literatura é algo vivo e, assim como o rio de Heráclito, está sempre em movimento. Ainda que pareça, nunca é a mesma.

Perfil

Edison Veoca nasceu e vive no Rio de Janeiro. Participou de diversos movimentos literários cariocas e possui poemas publicados em jornais, revistas e coletâneas. Prepara para este ano o lançamento do livro Os sentidos. Recentemente, o jornal Correio Braziliense publicou o poema Do poeta, de sua autoria.
  
Conheça o trabalho do escritor


Do poeta

O poeta
no seu ofício
solitário
milenar.
Só, o coração bate no quarto.
De vez em vez
o relógio estremece e anuncia:
a hora sempre passa.
Fico e envelheço.
Persigo, inutilmente, o verso.
O sono me esbofeteia.
O dia sem piedade amanhece em prece.
Nenhum homem vence o tempo.
Somente o que nele é poesia permanece.

***

Sonhar sempre

Pancada seca
pertinente.
A pedra que cai 
deforma  o corpo do rio.
O crime é abandonar o sonho.
A nuvem não desiste
de ser o rio.
Quando não o enche
o suga para si.
Furar, pois, com firmeza
toda onda que vem contra.
Para depois da arrebentação,
deitado no azul mar,
repousar as retinas no azul do céu
e sorrir.
***

Teu não

Exponho-me à palmatória do teu mundo.
Corrói o coração o não
que recebeu de pedra.
Teu frescor de areia e vidro
Atravessa o deserto
que se instalou em minha face.
Desejo-te feito um condor
que quer o despenhadeiro
um tigre de olhos fixos na caça.
Mas o teu não de sal, enxofre
e soda cáustica temperada na palavra
faz-me querer um outro curso:
rio em cabeça d’água.
As cores da tarde-outono
invadem minhas retinas.
Cai o sol por detrás da árvore que balança.
O sol ensanguentado
incendeia-se em raios animalescos
coloridos de lilás e amarelo.
Agora, não mais o sol. Apenas os raios.
Sei que sou âncora
tatuada no fundo dos sete mares.
Sou somente carne e gesto,
boca e brinquedo na infância da praça.


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