Chigozie Obioma Crítica

Os Pescadores, de Chigozie Obioma

00:00Universo dos Leitores

"Hoje, quando olho para trás, como tenho feito com mais frequência agora que tenho meus filhos, percebo que foi durante uma dessas idas ao rio que nossas vidas e o nosso mundo mudaram. Pois foi nele que o tempo começou a ter importância, foi naquele rio que nos tornamos pescadores."

No ano de 2015 o livro Os Pescadores, do escritor nigeriano Chigozie Obioma, ficou entre os finalistas do Man Booker Prize, o que conferiu notoriedade e atenção para a história, que já foi traduzida para 24 idiomas e estará nas livrarias brasileiras no mês de março, já que a Globo Livros comprou os direitos da sua publicação.

Eu recebi essa "Prova do Livro" da editora e confesso que foi uma grande surpresa! Sem saber nada sobre a história e sobre o autor, comecei a leitura sem grandes expectativas, mas essa situação mudou logo que terminei o primeiro capítulo do livro. Sim, no final do primeiro capítulo eu já estava completamente envolvida com os personagens e totalmente encantada com a narrativa leve e fluida de Chigozie Obioma. 

Ambientado nos anos 90, o livro é narrado por Benjamin, um jovem nigeriano que vive com os pais e com os irmãos Ikenna, Boja, Obembe, David e Nkem na cidade de Akura. A família é muito unida, os irmãos super próximos, e o pai, mesmo morando em outra cidade para trabalhar, consegue ser presente e acompanhar a evolução dos filhos com muita autoridade e muita preocupação.

"- Quero que vocês sejam pescadores de bons sonhos, que não descansem enquanto não apanharem um peixe. Quero que sejam pescadores colossais, ameaçadores e incontroláveis." 
Acontece que um dia, quando os garotos estão voltando de uma pescaria em um rio distante e perigoso, Abulu, um morador da cidade que é considerado louco e ao mesmo tempo profeta, fala para Ikenna que um dos seus irmãos irá matá-lo. Desesperado e sem saber direito como lidar com a situação, o garoto, que tem apenas 15 anos, passa a agir de forma agressiva com os irmãos, o que aos poucos destrói  a harmonia e a sintonia da família, e altera de forma triste e significativa o destino de todos eles. 

Inicialmente, posso dizer que essa é uma história que descreve o drama de uma família, mostrando o quanto é difícil conviver com as diferenças, as discórdias e as crenças. É um livro que mostra de forma intensa o quanto o medo pode prejudicar o amadurecimento e os relacionamentos pessoais. Da mesma forma, a obra nos coloca diante de uma cultura diferente nos apresenta um povo repleto de misticismos e tradições. 

Vale destacar, inclusive, que em uma entrevista que o autor concedeu para o Estadão, ele contou que o personagem do "louco" foi utilizado para representar duas coisas: primeiro, a forma como os africanos tratam as pessoas consideradas intrusas, afirmando veementemente que elas são loucas; e segundo, a questão da invasão dos britânicos, que chegaram sem convite e só causaram problemas, assim como o personagem que aparece do nada na vida das pessoas, e não acrescenta nada de bom. 

"Uma vez ouvi dizer que, quando o medo se apossa do coração de uma pessoa, ela se apequena. Isso poderia ser dito do meu irmão, pois, quando o medo tomou posse de seu coração, roubou muitas de suas coisas - sua paz, seu bem-estar, seus relacionamentos, sua saúde e até sua fé." 
Apesar da premissa excelente e da construção perfeita da narrativa, que intercala os acontecimentos do presente com as lembranças do narrador sobre o passado, o que realmente chama a atenção na obra são os personagens. Bem construídos e com personalidades fortes e muito diferentes, todos se destacam e conquistam os nossos corações. É impossível não notar a sensibilidade da mãe das crianças ou não se envolver, por exemplo, com os medos, as inseguranças e as revoltas de cada um dos irmãos. Até mesmo Ikenna, sempre grosseiro e ameaçador, consegue nos comover de tão grande que é a sua dor. 

É preciso ressaltar que essa não é uma história feliz. Não existem casamentos, romances ou personagens perfeitos. Pelo contrário! A narrativa é marcada pela dor, pelas perdas e pelas angústias de de uma família simples e pacata, que se torna vítima de uma profecia lançada por um louco. Mas o interessante é que é exatamente em torno de todo esse sofrimento que a gente encontra a poesia, a delicadeza e a força da obra. 


"As coisas que meu irmão lia o transformaram; moldaram sua visão de mundo. Ele acreditava nelas agora. Agora já aprendi que as coisas em que acreditamos costumam se tornar permanentes, e o que se torna permanente pode ser indestrutível. Foi esse o caso do meu irmão."

Sem dúvida uma leitura linda e uma das melhores que fiz nesse início de 2016. Um escritor detalhista e talentoso, que conseguiu destaque com o seu primeiro e com apenas 30 anos de idade... Já estou ansiosa pelas próximas histórias que ele tem a contar! 



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