Cinema crítica ao filme querido menino

Amor para preencher um buraco negro de dor

11:00Luiz Cabral


Ao terminar de ver “Querido Menino”, que está em cartaz nos cinemas da capital, não entendi por que o filme foi esnobado pelo Oscar 2019. O roteiro adaptado dos livros de David Sheff, “Beautiful Boy”, e Nic Sheff, “Cristal na Veia”, é preciso e profundo, as atuações dos atores são memoráveis e cativantes, a fotografia é simples, porém bela, acolhedora e familiar, e a direção do belga Felix Van Groeningen, que faz seu primeiro longa no cinema norte-americano, é bem correta. Inspirado na história real e nas memórias do próprio David e de seu filho Nic, o filme emociona ao falar de um assunto tão delicado: a luta de um jovem contra o vício das drogas. Por isso, até agora continuo sem entender por que o longa não entrou em, pelo menos, uma categoriazinha.

Na história, David Sheff (Steve Carell, que fez carreira em comédias, ficou marcado como “O Virgem de 40 Anos” e agora se dedica aos dramas, como “Foxcatcher”, “Amor por Direito” e “A Grande Aposta”) é um conceituado jornalista e escritor, com textos publicados no “The New York Time” e na “Rolling Stone”, que vive com a segunda mulher e os filhos. O mais velho, Nic Sheff (Timothée Chalamet, o jovem talentoso de “Me Chame pelo seu Nome”, que tem atuação marcante e extraordinária nesta nova produção), é viciado em metanfetamina e outras drogas, e isso abala completamente a rotina da família. De forma dramática, David tenta entender o que acontece com o filho, que teve uma infância de carinho, suporte e muito amor, ao mesmo tempo em que estuda a droga e sua dependência. Nic, por sua vez, passa por diversos ciclos da vida de um dependente químico, lutando para se recuperar, mas volta e meia se entregando ao vício. É triste quando você percebe que essa jornada na dependência química nunca foi nem nunca será só do viciado, mas, sim, de todos aqueles que o amam. E receber a notícia de um especialista de que “recaídas – constantes na vida de um viciado – fazem parte da reabilitação é como falar que batidas fazem parte da aula de direção”. É inconstante, amedrontador, doloroso, aterrorizante.

Em uma cena do filme, Nic fala para outros dependente: “Um dia, eu acordei em um hospital, e alguém me perguntou: ‘Qual seu problema?’. Eu respondi que eu era alcoólatra e viciado. E a pessoa me falou: ‘Não, isso é como você lida com o problema’. Agora, sei que eu preciso encontrar um caminho pra preencher esse buraco negro dentro de mim”. Falta muito pro viciado se sentir completo. Falta tudo pra ele poder viver por inteiro.


É esse o sentimento, de dor, agonia e tristeza, que você carrega junto com os personagens. Pelos flashbacks, você vê a intimidade e o carinho excessivo de uma criança que teve uma criação perfeita, muito amorosa. Depois, nos dias atuais, se depara com um cenário devastado, uma família perfeita sendo praticamente destruída pelo mundo das drogas. 

Mas é preciso aprender com as quedas... “Nunca encontrei uma pessoa forte com um passado fácil”, diz uma frase de autoajuda. No filme, Nietzsche é citado algumas vezes, e frases como “Aquilo que não nos mata nos faz mais fortes” são precisas para mostrar o que é a vida de um viciado e de sua família. Família essa que se baseia no amor para vencer essa dor. Um amor que é maior que tudo, que nem todas as letras do alfabeto juntas dariam conta de representá-lo. Um amor completo com o poder de tirar qualquer um do abismo. Porém, infelizmente, não é a família que dita as regras desse salvamento. Esse artifício é individual, diz respeito só às atitudes e às forças do viciado. Num cenário absurdo em que a overdose é a maior causa da morte de norte-americanos antes dos 50, o filme termina e você acaba confundindo ficção e realidade. É fato que já passou por algo parecido em sua família, por isso a emoção e a identificação tão certeiras. Às vezes, só amor não basta! É preciso muito mais que amor para preencher esse buraco negro de infinita dor. 

Trailer:


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