Antony Burgess Crítica

Especial Laranja Mecânica: O Livro

07:00Universo dos Leitores

BREVE RESENHA:

“- Pode não ser bom ser bom, pequeno 6655321. Ser bom pode ser horrível. E quando digo isso a você, percebo o quão autocontraditório isso soa. Eu sei que perderei muitas noites de sono por causa disso. O que Deus quer? Será que Deus quer insensibilidade ou escolha da bondade? Será que um homem que escolhe o mal é talvez melhor do que um homem que teve o bem imposto a si?“


Publicado no ano de 1962, Laranja Mecânica é o livro de Anthony Burgess que conquistou o mundo e é considerado uma das maiores distopias de todos os tempos, ao lado de 1984, de George Orwell e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

O livro, narrado em primeira pessoa, mostra o ponto de vista de Alex sobre o mundo e sobre a violência. Ocorre que o personagem é hipócrita, hostil, sociopata e líder de uma gangue que sai pelas ruas com roupas atípicas para agredir as pessoas, roubar, provocar acidentes, abusar de mulheres, perturbar a paz e praticar o que ele denomina de “ultra-violência”. O interessante é que enquanto pensa e planeja os próximos atos, ouve Beethoven e valoriza o seu estilo musical fino e apurado.

Porém, como nenhuma conduta fica ilesa para sempre, uma noite, após se envolver em uma briga com os amigos, Alex vai preso e acaba condenado há 14 anos de prisão, em razão de ter assassinado uma mulher. Na cadeia, descobre um método de tratamento que altera a percepção de vida e de crime e se oferece como cobaia em troca da liberdade imediata.

O referido método, conhecido como “Reclamation Treatment” ou “Tratamento Ludovico”, associa violência a desconforto físico, por meio de técnicas abusivas, que consistem em drogar o indivíduo e submetê-lo a longas sessões com cenas de violência e dor, que causam desconforto, medo e uma experiência de quase-morte. Após inúmera sessões, ele começa a reagir de forma estranha aos atos que antes lhe causavam êxtase e, com isso, é liberado para retornar ao convívio social.

A partir desse momento, Alex passa por períodos de insatisfação diante do convívio social, inclusive perante a família. O conflito entre a sua essência e as conseqüências do tratamento Ludovico ficam claras uma vez que ele sente impulsos criminosos, mas não consegue praticá-los. Quais as consequências disso e como ele reage a tudo, você precisará ler para descobrir!

A LINGUAGEM:

No intuito de conferir maior credibilidade à obra e criar um cenário completamente futurista, o escritor, que era aficionado por linguística, criou um vocabulário próprio para Alex e os membros da sua gangue. Essa linguagem, que causa estranheza no início, conquista o leitor ao longo da obra e tem um importante papel no texto, que se torna mais futurístico e diferenciado, conseguindo transportar o leitor para um universo completamente novo e envolvente.

Em razão dessas palavras novas, existe ao final da obra um Glossário Nadsat, ou seja, um glossário sobre o dialeto exclusivo do livro. Trata-se de um conjunto de gírias criado com base no linguajar da classe operária britânica e na língua russa.

Alguns exemplos:

- câncer: cigarro;
- devotchka: garota;
- drugui: amigo;
- govoretar: falar, conversar;
- horrorshow: ótimo, excelente, legal;
- rot: boca;
- sluchar: escutar;
videar: observar.

OS CAPÍTULOS:

O cuidado do escritor com a construção da obra foi tão grande que ele a dividiu em três partes: na primeira parte visualizamos Alex e os amigos agindo de forma ultraviolenta, na segunda acompanhamos Alex na prisão e, por fim, nos deparamos com o protagonista após o tratamento Ludovico.

O interessante é que cada parte conta com 7 capítulos, assim, a obra totaliza 21 capítulos, o que significa a mudança e a nova perspectiva do personagem ao atingir a maioridade e se tornar um homem adulto.
O ÚLTIMO CAPÍTULO (contém spoiler):


Existe grande polêmica acerca do último capítulo da obra, isto porque, a mudança da postura de Alex, que decidiu se tornar um homem direito e seguir uma vida digna ao lado de uma mulher, não agradou o público, que esperava um final mais condizente com o desenvolvimento do seu comportamento ao longo da história. 

Inclusive, o capítulo 21 não foi traduzido para a versão americana e não fez parte da adaptação cinematográfica de Kubrick, que terminou de maneira mais realista e até mesmo coerente com o contexto abordado no livro.

SOBRE A OBRA: 

Muito mais que uma obra sobre gangues e violência, o livro Laranja Mecânica apresenta uma crítica à sociedade e ao ser humano. A verdade é que o personagem central é violento sem uma causa aparente, age por puro prazer de se arriscar. Completamente sem valores e sem limites, a sua postura é reprimida pela sociedade e pelos policiais, membros das instituições de governo. 

Ocorre, no entanto, que os policiais também agem com violência e com instintos agressivos, a diferença é a que a postura deles recebe amparo social e é vista como solução para a criminalidade.

Outro exemplo da violência institucionalizada é o Tratamento Ludovido aplicado em Alex. A atuação médica é abusiva e priva a pessoa da sua essência, retirando a capacidade de raciocínio, de expressão de vontade e de controle dos próprios atos. A prática, completamente contrária aos ideais de liberdade e de dignidade humana, recebeu apoio do governo e da sociedade, que em momento algum questionou a sua legitimidade.

Nota-se que a premissa é de que o homem é naturalmente ruim, a violência é da sua essência natural, com isso, a sociedade é automaticamente corrupta e desprovida de valores éticos e morais. Essa questão é colocada na obra a partir do fundamento bíblico relacionado ao “pecado original” (Burgess foi criado como católico nato e sempre admirou os princípios da Igreja).

No período em que foi publicado, o livro foi muito criticado e representou uma crítica concisa ao comunismo e à intenção de limitação do livre arbítrio e do direito de opinião. A intenção foi comprovar a magnitude dos abusos cometidos pelo governo em prol da sonhada e utópica estabilidade e segurança social.




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