Clarice Lispector Crítica

Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, de Clarice Lispector

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O que de mais profundo habita em nós está em nossa pele. Nossos desejos mais escondidos são aqueles que saltam na superfície como sintomas daquilo que queremos, somos ou mais tememos ser. Desejar, ser uma máquina desejante, é algo de extrema violência consigo e com os outros, pois instaura uma espécie de estatuto de guerra em que a pulsão precisa necessariamente se sobrepor ao pensamento, à lógica e à razão. Por isso, desejar, encontrar o prazer, precisa e é um processo árduo de possibilitar o encontro, primeiro de um eu pra eu – até o fim de mim – até, finalmente, se chegar ao outro. É disso que trata Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres de Clarice Lispector.

A obra conta a história de Lóri, uma mulher em um caminho de aprendizagem na busca do prazer. Fechada, travada, Lóri conheceu o amor ou o amar apenas como a transposição idealizada, tornando-se, de certa forma, incapaz de sentir prazer e encontrar com seus desejos. Ao seu lado está Ulisses, um filósofo, espécie de tutor e amante de Lóri, que a acompanha e mostra-lhe o caminho do encontro com seu próprio corpo para, enfim, poder dar-se a ela e recebe-la por completo.

A contracapa dos livros de Clarice Lispector lançados pela Editora Rocco, contém uma breve análise, de poucas linhas, que possuem uma pista significativa para entender o pensamento da autora. Diz que sua escrita está numa confluência de paradigmas entre o Realismo-Naturalismo e o Realismo-Simbolismo, ou seja, as coisas que ela narra materialmente existem, embora estejam imersas no berço de um simbolismo que procura uma espécie de essência, algo que transforma o evento único em algo exemplar e que, como todo paradigma, altera e compõe essencialmente o ser.

Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, dentro dessa chave, mostra (parafraseio outra obra de Clarice) a “Via crucis do corpo” que precisa fazer Lóri para desmontar o idealismo latente da ideia sobre sentimentos e por outro lado uma completa inaptidão para as coisas do corpo. Entre as passagens desse imenso e gradual encontro, há imensas tardes em que Lóri e Ulisses simplesmente se mantêm em silêncio para “ser”, ou então uma manhã em que Lóri entra no mar nua e, finalmente, se descobre como parte desse todo que é o mundo. O todo e o ser – duas instâncias que a mulher precisa encontrar para revelar aquilo que lhe é próprio – seu prazer.

Entre as passagens preferidas, um momento em que Ulisses mostra à Lóri qual é o processo lento e angustiante (para ela) da descoberta desse um em dois:

"Sabe Lóri, disse ele agora sorrindo. Depois que encontrei você umas três ou quatro vezes – por Deus, talvez tenha sido exatamente da primeira vez que vi você! – pensei que poderia agir com você com o método de alguns artistas: concebendo e realizando ao mesmo tempo. É que de início pensei ter encontrado uma tela nua e branca, só faltando usar os pincéis. Depois é que descobri que se a tela era nua era também enegrecida por fumaça densa, vinda de algum fogo ruim, e que não seria fácil limpa-la. Não, conceber e realizar é o grande privilégio de alguns."
Lóri, então, descobre por si que esse “fogo ruim” faz parte de uma energia vital que deve ser levada para a realização do seu corpo como potência. Assim, aquela mulher, ao lado daquele homem, revela-se, como na canção de Djavan quando afirma que “por ser amor invade e fim.”

Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres é o livro dessa auto-invasão, destruição de um latifúndio de si próprio para um encontro de forças que não incapazes de dialética, mas de criação de uma comunidade, de uma convivência: o prazer.
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