Anthony Doerr Crítica

Toda luz que não podemos ver, de Anthony Doerr

00:00Universo dos Leitores


“Toques de recolher são instaurados. É proibido ouvir música em volume que extravase para a rua. Danças públicas são proibidas. O país está de luto, e precisamos nos comportar com respeito, anuncia o prefeito. Ainda que não fique claro o tipo de autoridade que ele ainda possui.”

Vencedor do Pulitzer desse ano, Toda luz que não podemos ver já está na lista dos mais vendidos e até agora só recebeu elogios dos leitores. O que posso dizer sobre isso? Somente que o sucesso é muito, muito merecido.

O livro conta, por meio de narrativas paralelas, a vida de Marie-Laure e Werner, dois jovens que precisam lutar pela sobrevivência durante o período do nazismo.


Marie-Laure é uma garota com deficiência visual, que recebe todo o amor e carinho do seu pai, um chaveiro em um museu na França. Acontece que durante o período do nazismo ele precisa se afastar da filha, já que é o guardião de um objeto muito desejado. Com isso, a menina começa a descobrir meios de superar os seus medos e lutar pela sua sobrevivência. Werner, por sua vez, é órfão e vive em um abrigo com a irmã mais nova. Inteligente e com diversas habilidades com rádios e transmissões de sinal, ele é convocado para estudar em uma escola nazista e, por consequência, servir o exército alemão em algumas missões. 
“Marie-Laure é jovem demais, e seu pai é paciente demais. Maldições, ele assegura, não existem. Existe sorte, talvez, boa ou má. Cada dia com uma leve inclinação ao sucesso ou ao fracasso. Maldições, não.”

Com realidades completamente diferentes, os nossos protagonistas possuem apenas um ponto em comum: ambos são vítimas da opressão e da crueldade nazista. É exatamente esse fator que acaba por aproximá-los, conduzindo a história para acontecimentos emocionantes e inesquecíveis.

“Abram os olhos”, conclui o homem, “e vejam o máximo que puderem antes que eles se fechem para sempre”, e então entra um piano, toca uma música solitária que soa a Werner como um barco dourado viajando por um rio escuro, uma progressão de harmonias que transfigura Zollverein: as casas transformadas em brumas; as minas preenchidas; as grandes chaminés, demolidas; um mar ancestral transbordando nas ruas, e o ar fluindo com possibilidades.”


O interessante é que apesar de ter um plano de fundo tantas vezes escolhido pelos escritores de romance, o livro consegue surpreender e encantar de forma única, o que eu acredito que acontece em razão da caracterização profunda e complexa de cada um dos personagens. Muito mais criar o estigma de “vítimas de um governo opressor e autoritário”, o que por si só já é suficiente para cativar um leitor, o escritor se preocupou em criar protagonistas que possuem medos e certezas, impulsos e sonhos. Eles amam, perdoam, valorizam gestos simples de gentileza e acreditam em dias melhores. Os antagonistas, por sua vez, se mostram frios, racionais, elitistas e cruéis, conquistando nossa raiva e despertando nossos piores sentimentos. 

O que você encontra ao longo das 526 páginas é a dualidade entre o entre o bem e o mal, entre o amor e o ódio, o perdão e o rancor. É exatamente isso que prende, que sufoca e que arranca as nossas lágrimas. 

“Quando perdi a visão, Werner – continua ela – as pessoas disseram que eu era corajosa. Quando meu pai foi embora, as pessoas disseram que eu era corajosa. Mas não era coragem; eu não tinha escolha. Acordo todos os dias e vivo minha vida. Você não faz a mesma coisa?
- Não vivo minha própria vida há muitos anos. Mas hoje. Talvez hoje eu tenha vivido.”

Além disso, também merece destaque a narrativa leve e envolvente do Anthony Doerr, que dividiu a história em várias partes e optou por elaborar capítulos curtos, o que sem dúvida contribuiu, e muito, para a fluidez da leitura. Também não posso deixar de mencionar a capacidade ímpar que ele possui de ir e voltar no tempo, fazendo com que o leitor se sinta instigado e curioso com as descobertas que virão a seguir!

Sem dúvida uma obra que merece ser lida e que é digna de todos os elogios que tem recebido. Confesso que depois de A Menina que Roubava Livros e Maus (uma HQ inesquecível), eu tinha certeza que jamais me encantaria por uma história sobre o nazismo. Acontece que com esse livro eu descobri que eu estava errada. Percebi que é possível ler diversas vezes sobre o mesmo assunto, porque o que importa mesmo não é o tema, mas sim a capacidade do escritor de criar uma boa história!


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