Escritora Angélica Pina

Conto "Preciosidade"

00:00Angélica Pina

Olá, leitores!

Há um tempo fiz um post falando sobre meu conto que escrevi para participar do Concurso Brasil em prosa. Como o concurso já passou, trouxe o conto aqui para o Universo do leitores para que quem não conseguiu comprar ou baixar quando disponibilizei na Amazon possa ler também. O texto é bem curtinho, devido à limitação de caracteres que o concurso colocou. Espero que gostem!
- Gigi, fala para a vovó que você também vai ajudar a organizar a festa das bodas dela. – Vanessa, minha primogênita, diz à filha logo depois de chegarem à minha casa e me encontrarem na sala, acompanhada de um livro.
- O que são bodas mesmo, mãe? – Giovanna levanta as sobrancelhas e coça a cabeça deixando claro que já esqueceu o que ouviu a respeito.
- São as comemorações de aniversário de casamento. A vovó e o vovô vão completar 30 anos de casados daqui uns meses. Não acha que temos que fazer uma superfesta? – Vanessa cutuca a costela da filha, que se retorce pelas cócegas.
- Sim, eu adoro festa! – Minha neta bate palmas, animada.
Quando Vanessa me comunicou por telefone essa ideia, logo me esquivei, pois sei que quando ela fala de festa, está falando de superproduções. Apesar disso, tenho certeza de que não conseguirei convencê-la de que nem tudo na vida nos dá motivos para comemorar. Principalmente um casamento morno, que já caiu totalmente na rotina há anos.
- Mãe, trinta anos é algo tão especial! Mal posso esperar pelo ano que vem para que eu me torne uma balzaquiana. Quero comemorar em grande estilo! – Vanessa diz ao dobrar as pernas sobre o sofá e colocar o notebook no colo.
- Vó, a senhora se casou com quantos anos? – Giovanna questiona.
- Dezenove, minha flor! Era tão bobinha e fui cair na besteira de me casar em vez de me preocupar em estudar.
- Uau, dezenove mais trinta dá... – ela conta nos dedos – então você já tem quase cinquenta!
- Isso não é muito, vai? Levando em conta que já tem uma neta tagarela prestes a completar oito. – Vanessa defende. – Voltando ao assunto, olha que bacana o que achei. – Ela tira os olhos da tela do computador que está em seu colo e me encara. – Sabe qual símbolo representa as bodas de trinta anos?
- Não sei. Só sei que de vinte e cinco anos são bodas de prata e de cinquenta, de ouro. – Respondo.
- Já estou apaixonada imaginando a decoração! – Os olhos de minha filha estão brilhando. – A senhora vai completar bodas de pérola. Uma decoração nessa cor vai ficar um luxo!
Preciso concordar que realmente esse símbolo sugere muita coisa bonita para uma decoração. Aliado ao bom gosto de Vanessa, já posso prever uma linda festa. Estou sendo contagiada! Apesar disso, temo pela reação de Cláudio, meu marido, pois ele nunca foi muito chegado a festas e, de uns tempos pra cá, mal sai de casa para algo que não seja trabalhar. Diversão é algo que parece não fazer mais parte de seu vocabulário.
- Quem escolheu pérola, prata, ouro, essas coisas? – Minha neta pergunta e preciso dizer que também não sei de onde tiram tudo isso.
- Aqui na internet tem tudo explicadinho. Cada aniversário é simbolizado por um material e a cada ano é algo mais forte e resistente. Por exemplo, quando o casal faz um ano de casamento, são bodas de papel, que é algo mais frágil, depois vêm alguns tipos de metais, que são coisas muito mais firmes. – Minha filha está nitidamente encantada com o conteúdo que está lendo.
- Não sabia dos significados desses símbolos. – Eu digo.
- Tão legal, né?! – Vanessa me olha. – Olha o que diz aqui: a pérola só nasce quando algum organismo incomoda a ostra. Pode ser até um grão de areia, que entra ali e causa uma inflamação, provocando dor. Para se livrar disso, a ostra reage liberando camadas e mais camadas de uma substância para encobrir aquele corpo estranho que está machucando, e é aí que forma a pérola. A ostra transforma algo incômodo e doloroso em uma joia preciosa e de muito valor.
- Quem dera se conseguíssemos fazer isso com os obstáculos que surgem em nossos relacionamentos, hein?! – Eu suspiro.
- Aí que está, um casamento de trinta anos já tem essa maturidade. Tenho certeza de que, ao longo desse tempo, você e papai já aprenderam a não permitir que qualquer “grãozinho de areia” incomode vocês.
- Pensando por esse lado... – Tenho que admitir, embora eu realmente não considere mais meu casamento tão belo e precioso como uma pérola.
- Claro que sim, mãe! Isso é tão lindo que já quero fazer trinta anos de casada também. – Vanessa exclama empolgada.
- Mãe, até lá, até eu já vou ter casado. – Giovanna brinca.
- Gi, nem pense nisso por enquanto, gatinha! – Sua mãe diz dando risada.
- Nem estava pensando mesmo. – Minha neta revira os olhos. – Mas adoro esses assuntos sobre o amor.
- Posso saber o que a senhorita sabe sobre o amor? – Pergunto.
- Ué, uma vez a professora pediu na aula para cada um falar o que significava o amor. Eu disse que era o que a vovó e o vovô vivem.
Sinto um friozinho na barriga com essa menção e percebo minha filha me encarando de olhos arregalados, mas com um nítido ar de satisfação.
- Como assim, filha? – Vanessa instiga para que a pequena continue.
- É, eu disse que amor é quando a vovó acorda e o vovô já saiu para trabalhar, mas deixou o café feito do jeitinho que ela gosta, que é bem forte, mas com bastante açúcar. Amor também é quando o vovô chega todos os dias e senta no sofá, daí a vovó pergunta como foi o seu dia e avisa que já vai servir o jantar. E quando um fica doente, o outro faz chá e leva na cama.
- Isso tudo que você está falando não é amor, minha lindinha, isso se chama rotina. – Eu explico.
- Não acho. Para mim, se chama cuidado. – Minha filha rebate.
- Para mim amor é isso, é uma rotina onde um cuida do outro com carinho, sem cobrar nada em troca. – Giovanna bate seu martelo.
Sinto um nó se formando em minha garganta e, quando olho para minha filha, vejo uma lágrima sendo impedida bravamente de escapar.
Pigarreio e tento disfarçar, mas fui nocauteada pelo entendimento perfeito dessa pequena criança. Às vezes complicamos as coisas e não damos valor às preciosidades que temos. O que me consola é saber que tive o privilégio de, sem perceber, ensinar a ela algo de tão alto valor. E o grãozinho de areia chamado ingratidão que estava incomodando aqui dentro do peito, rapidinho se transformou em uma linda pérola, através dessa substância pura lançada pela minha neta, que não existiria não fosse esse amor que começou há quase trinta anos.

É isso, gente. Ficarei felizona se comentarem o que acharam.

Beijos e até breve!

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