Cosac Naify Crítica

O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe

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O Filho de Mil Homens, de Valter Hugo Mãe, publicado no Brasil pela Cosac Naify, apareceu na minha vida por acaso, mas se tornou um dos livros mais intensos e sinceros que eu li em 2015. Um livro simplesmente inesquecível!
Com várias histórias paralelas, inicialmente independentes, mas que aos poucos se entrelaçam, a narrativa começa com Crisóstomo, um pescador de quarenta anos, que carrega no peito da dor de não ser pai. Desesperado e decidido a encontrar um filho para lhe acompanhar ao longo da sua trajetória, ele adota Camilo, um rapaz de 14 anos, filho de uma anã e de prováveis 15 homens. 
Via-se metade ao espelho e achava tudo demasiado breve, precipitado, como se as coisas lhe fugissem, a esconderem-se para evitar a sua companhia. Via-se metade ao espelho porque se via sem mais ninguém, carregado de ausências e de silêncios como os precipícios ou poços fundos. Para dentro do homem era um sem fim, e pouco ou nada do que continha lhe servia de felicidade. Para dentro do homem o homem caía.

A sensação de vazio diminui e ele passa a viver melhor, porém, um tempo depois ele sente vontade de conhecer um novo sentimento: o amor. É nesse momento que novos personagens começam a aparecer na trama, entre eles, Isaura, uma mulher que cedeu aos prazeres da carne muito nova e passou a vida suportando o peso da sua escolha; Antonio, conhecido em toda aldeia como "homem maricas"; e Matilde, a mulher que carrega a culpa pelos erros cometidos com o filho que ela nunca quis aceitar ou respeitar.

Apesar de terem vivências diferentes e vidas completamente opostas, todos estão unidos pela mesma sensação: a incompletude. Essa sensação, que causa angústia, dor e solidão, acaba sendo a responsável por uma aproximação entre eles, o que revela novas possibilidades, novas chances de viver e de encontrar, mesmo que discretamente, a  tal felicidade.
“O Crisóstomo explicava que o amor era uma atitude. Uma predisposição natural para se ser a favor de outrem. É isso o amor. Uma predisposição natural para se favorecer alguém. Ser, sem sequer se pensar, por outra pessoa."
Com uma narrativa poética, reflexiva e emocionante, esse é um livro sobre os seres humanos, as suas imperfeições, medos, dores e anseios. Um livro que discorre com muita sinceridade sobre a capacidade de amar, de perdoar, de sonhar, de ser e de renascer.

O interessante é que o autor nos coloca diante de personagens incompletos, que mesmo marcados por dores incuráveis, não conseguem deixar de lado os preconceitos sem sentido e os julgamentos acerca das escolhas dos outros, das aparências, do status etc. São personagens que se reprimem sexualmente, que não se sentem no direito de experimentar o desejo, de descobrir o novo e de aceitar as diferenças. Com mentalidades fechadas e presas em valores morais retrógrados, todos eles precisam (re)descobrir uma nova forma de encarar a vida, afinal, como sabiamente disse o poeta Mário Quintana, o que a vida quer da gente é coragem.
"A solidão podia transformar os homens em seres quase de fantasia por lhes mexer na cabeça e obrigar o coração a legitimar como verdadeira a mais pura ilusão."

Mergulhar nessa história demanda cuidado, atenção e sensibilidade. Se você abrir o coração (como eu abri), vai se encontrar em cada um dos personagens e se identificar com eles. Vai entendê-los, amá-los e perdoá-los. E vai terminar a leitura com novas concepções sobre a vida e, consequentemente, sobre você.


Leitura mais que indicada! Sem dúvida lerei outros títulos do autor. 


Dica:

Quem não conhece o autor, pode aproveitar para assistir no YouTube a entrevista que ele concedeu para o Roda Viva em janeiro de 2014. Mesmo sendo mais antiga, o autor fala sobre o seu trabalho, o estilo de escrita, as mudanças ao longo da carreira, as experiências pessoais etc. 


Vale a pena conferir. 



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*Postado por Isabela Lapa




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1 comentários

  1. A frase " o que a vida quer da gente é coragem" não é de Mario Quintana . Pertence a Guimarães Rosa , no livro GRANDES SERTÕES VEREDAS

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