Companhia das Letras Crítica

Jantar Secreto, de Raphael Montes

00:00Isabela Lapa



"As pessoas vinculam loucura a maldade e racionalidade a bondade. Segundo estatísticas, doze por cento das pessoas ditas normais são criminosas, assassinas ou perigosas. Enquanto isso, só três por cento das pessoas ditas loucas tem potencial ofensivo considerável. Isso significa que normais matam muito mais que loucos. Se o mundo houvesse mais loucos, haveria menos violência."


Muitas vezes, estamos tão focados em um objetivo, que não paramos um minuto sequer para pensar nos nossos valores e nas coisas e pessoas que realmente nos importam. A verdade é que em troca de nossas ambições e do tão sonhado poder, nós nos perdemos de nós mesmos e normalmente só percebemos isso quando o caminho não tem mais volta. 

Acreditem: em graus diferentes e por motivos diversos, todos nós já agimos de forma diversa da que agiríamos se não tivéssemos algum objetivo ou algum interesse. Pensem: quantas vezes vocês bajularam o chefe ou o professor para não perderem o emprego ou a nota? Quantas vezes foram mais carinhosos com seus pais para pedir um presente? E por aí vai... Nós somos assim, seres humanos, repleto de falhas e em constante busca pela perfeição, pela realização!


E é exatamente sobre nós e sobre nossas ganâncias, que o Raphael Montes fala nesse livro. Apesar de ser uma obra de suspense e terror com um contexto que foge ao comum, a narrativa contém muito mais que situações arrepiantes e descrições que embrulham o nosso estômago. Ela esconde segredos cruéis sobre as pessoas: elas são gananciosas, não aceitam perder, preferem a vaidade que a amizade, se corrompem por interesses pessoais e não tem escrúpulos. É doloroso, mas é a verdade!

E então, preparados? 

Quando começarem a leitura de O Jantar vocês vão ficar curiosos de cara! Afinal, Dante, o nosso narrador, já começa dizendo que na metade do livro, quando nós soubermos quem ele é e tudo que ele fez, teremos a certeza de que ele é um monstro. 

Dito isto, ele começa a nos contar todas as aventuras que vivenciou ao lado dos amigos Hugo, Miguel e Leitão depois que se mudaram para o Rio de Janeiro para cursarem cursos superiores em universidades de qualidade. 


Repletos de sonhos, mas com pouco dinheiro, eles resolveram dividir um apartamento enquanto estudavam, afinal, aquele era só o primeiro passo para o sucesso. Acontece que a vida real não foi exatamente como a televisão mostrou e os pais ensinaram, com isso, ser bom naquilo que eles faziam não foi suficiente para alcançarem o sucesso. Leitão largou os estudos antes de concluí-los e os outros três, mesmo formados, se tornaram profissionais frustrados e totalmente desiludidos com o mercado e com as oportunidades.

Se não bastasse tudo isso, em um dado momento eles foram surpreendidos com a notícia de que Leitão estava, há mais de seis meses, gastando o dinheiro do aluguel com uma prostituta e eles seriam despejados de apartamento se não quitassem a dívida rapidamente. Em uma reunião séria em busca de uma solução para o problema, a ideia fantástica surgiu: eles fariam um Jantar Secreto, para 10 pessoas, no valor de R$ 3.000,00 por pessoa. A ideia era proporcionar uma experiência exclusiva e única, com um ambiente diferenciado e uma pitada de mistério.


Como o Hugo era um excelente chefe de cozinha, seria fácil colocar o plano em ação. Com isso, as tarefas foram dividas: Hugo faria os pratos, Miguel as compras, Dante a recepção dos convidados e Leitão cuidaria do marketing e dos convites.

O plano caminhava bem até que Leitão confessou aos amigos que havia incrementado o jantar. Ele divulgou na internet que o Prato Principal seria carne humana. Inicialmente, os amigos recusaram a ideia, mas aos poucos, sem encontrarem saída para o pagamento do aluguel, eles concordaram em fazer aquilo apenas uma vez.

"O que me fascina é que o marido comeu carne humana sem saber. E mais: gostou."

Acontece que quando fizeram aquela escolha, eles não tinham ideia de que estavam mudando completamente os seus destinos. E eu, enquanto lia, não tinha ideia de que daquele momento em diante a história tomaria outro ritmo e ficaria ainda mais envolvente e misteriosa. 

"A noite anterior se diluía em minha memória, como se não passasse de delírio: a música, as pessoas, os cheiros, a comida... A lataria amassada do Bukowski, no entanto, era bem real. O homem morto, com o sangue saindo pelo pescoço, também. Não dava para varrer tudo para debaixo do tapete e seguir em frente."


O que até então era a história de quatro jovens comuns, se tornou uma história sobre canibalismo, ambição, poder, medo e caminhos sem volta. Com diálogos inteligentes e cenas fortes, a história foi conduzida de forma tão intensa e tensa, que eu nem tive tempo para pensar se aquelas situações são críveis ou não. Raphael me transportou para um universo paralelo e só consegui voltar para a realidade quando observei que aqueles jovens são um reflexo da nossa sociedade cruel que qualifica as pessoas conforme o poder, o status e a condição social.

"Vou te contar uma coisa, querido: o ser humano gosta de poder. Qualquer um, rico, pobre, alto, baixo, homem, mulher... Todos gostam. Por que a gente quer dinheiro? Pelo poder. Por que a gente tira fotos de viagens e coloca na internet? Pelo poder. Sexo, sucesso profissional, amizade... Tudo é poder."

A verdade é: eu li o livro em uma madrugada e terminei em êxtase. A história tem mil mistérios e reviravoltas infinitas. Nas últimas página, quando pensamos que não tem mais nada para acontecer, somos surpreendidos com a cartada final que poxa vida, é completamente inesperada e totalmente brilhante!


Esse é mais um livro que revela o talento do Raphael! Com linguagem clara e diálogos diretos, ele conseguiu criar uma história consistente, com personagens muito reais e com críticas sociais de extrema relevância. 

Em alguns pontos, discordei da forma como ele descreveu o país, a nossa realidade ou a qualidade dos nossos serviços e benefícios sociais, contudo, não sei dizer se as descrições visavam caracterizar os personagens e apresentar respostas para os atos que eles estavam praticando, ou se refletem realmente o que ele pensa como cidadão e escritor. De toda forma, isso importa muito pouco (ou nada), porque a história é ESPETACULAR!

Meu recado é: com a luz acesa e o estômago vazio, LEIAM!



Do autor eu também já li (e amei) Dias Perfeitos. Tem resenha 
da Angélica aqui no blog, cliquem aqui e confiram... 



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