As coisas simpáticas da vida Crônica

Por que é mesmo que a gente escreve?, crônica de Felipe Braga Netto.

09:57Isabela Lapa

Olá!

Já tem algumas semanas que estou postando aqui no blog as crônicas do Felipe Braga Netto. Em todos os posts eu comentei que o livro em breve estaria nas livrarias, então a notícia boa chegou: ele já está disponível em uma edição incrível... 

Para comemorar, a crônica de hoje fala sobre a escrita. Que tal?

Por que é mesmo que a gente escreve? 


“Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos 
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree, 
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô”. 

Adélia Prado 


Que mistério é escrever. Mário de Andrade disse que muitas vezes um livro revela para gente um lado nosso ainda desconhecido. E é assim. Descobrimos, espantados e desconfiados, uma parte de nós que não sabíamos que existia. Então – dizemos hesitantemente – somos assim?

Foi Mark Twain quem resumiu: todo homem é uma lua. Tem um lado escuro que não mostra a ninguém. Que às vezes nem ele sabe que existe, acrescento. Por isso é que às vezes nos surpreendemos com o destino da obra. Rebelde ao criador, abre caminhos, toma atalhos, cria mundos... Lemos o que escrevemos murmurando baixinho: puxa, eu não sabia que pensava assim. 

Adélia Prado confessou que só reconhecia um poema seu pela letra. Isso mostra o abismo da viagem. É um mergulho de poucas certezas e muitas surpresas. O curioso é que a literatura é mais literatura quando menos quer ser. Quando se escreve pensando no efeito de certas frases em certos leitores, adeus mistério da escrita. Os amigos escritores que temos no céu não têm paciência para os tolos e suas ridículas vaidades. 

E escrever é dizer algo. Nem que seja para si mesmo. Comecei a escrever (acho) para me comunicar. Não sei se com o mundo ou comigo. Não lembro que escritor (creio que Gide), ao ser indagado por um aspirante à escrita que pedia conselhos, disse: se puder evitar escrever, evite. No fundo é isto: escrever deve ser para quem precisa, para quem realmente não consegue ficar sem, até tentou. 

Para que serve a literatura? Difícil dizer. Imediatamente, para nada. Não tem um palpável sentido, uma função que a distinga. Não é como os aviões, que nos levam, quando não caem, de um lugar a outro. Não é como a medicina, que nos cura os males e nos enche de inquietações. Os sentidos da literatura são obscuros e pouco óbvios. Cada um tem o seu, o que só mostra que não são claros, só isso. Ou que são muitos. 

E o importante: é escrevendo que confessamos nossas fraquezas com dignidade. É bom confessar fraquezas. O papel as aceita bem, generosamente. Porque viver... Viver é a arte de falar em outras coisas, enquanto as dores doem. Quem escreve dialoga, lealmente, com as dores, e as transforma (quem sabe?) em arte. Talvez isto sirva ao leitor, talvez não. Eu sei que prefiro confissões transfiguradas pela arte, é a forma que aprendi a gostar.

Felipe Braga Netto

Gostou? Então clique aqui e conheça as outras crônicas que eu já divulguei no blog... 

Ah, não deixe de comprar o livro, você vai amar! 

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