A Viagem do Elefante Cia das Letras

A Viagem do Elefante, de José Saramago

00:00Universo dos Leitores

Sempre que eu abro um livro do José Saramago fico animada com o que eu irei encontrar e ansiosa para chegar o fim da história e descobrir todas as emoções que ela reserva. Acontece que quando fecho a última página, sinto aquela vontade de algo além, afinal, as suas narrativas são tão inteligentes e envolventes, que deixam um vazio quando acabam. Deixam a sensação de que não mereciam ter um final.   

Exatamente por isso, comecei a leitura de A Viagem do Elefante com inúmeras expectativas. E acreditem: todas elas foram superadas!    

A história começa quando Dom João III, o Rei de Portugal, decide presentar o Arqueduque Maximiliano, irmão da Rainha Catarina, com um elefante chamado Salomão. Acontece que devido à distância, já que o Arqueduque vive em Viena (Áustria), um grande aparato precisa ser montado, de forma a garantir que o animal chegue ao seu destino em plena forma, vigor e saúde. É exatamente por isso que entre os integrantes da comitiva está o indiano Subhro, treinador de Salomão, e conhecido pela sua técnica impecável com elefantes.    

Iniciada a viagem, a comitiva passa por diversos problemas e enfrenta várias dificuldades. Na medida em que os dias passam e novas pessoas aparecem no caminho dos viajantes, críticas sobre a sociedade, a religião e a política vão sendo colocadas de forma pontual e, por vezes, irônica e bem humorada. 

Julgam-se superiores aos mais, Isso é pecado geral, eu, por exemplo, julgo-me superior aos meus soldados, os meus soldados julgam-se superiores aos homens que vieram para o trabalho pesado, E o elefante, perguntou o alcaide, sorrindo, O elefante não joga, não é deste mundo, respondeu o comandante, (...)"  
Logo no início do livro, no momento em que os viajantes se encontram com um Padre, o escritor demonstra claramente a forma como os seres humanos agem em troca de vantagens e com uma má-fé disfarçada de boa-fé. O capítulo tem uma abordagem irônica e, ao mesmo tempo, fria sobre os seres humanos e as suas crenças.   

O interessante é que a história é simples, sem grandes reviravoltas e complexidades, mas é magnífica por conseguir mostrar os seres humanos como eles são, descrevendo claramente a necessidade humana de ser maior, de dominar, de ter a última palavra e de controlar a vida de todos. Seja em situações relevantes para o grupo, seja em discussões bobas sobre mitos envolvendo lobos, todos querem estar certos, todos querem dar a última palavra.  

"Subhro tomou outra vez a palavra para dizer que cada homem, quando salomão parasse na sua frente, deveria estender a mão direita, com a palma para cima, e esperar a despedida. E não tenham medo, salomão está triste, mas não está zangado, tinha-se habituado a vocês e agora descobriu que se vão embora, E como o soube ele, Essa é uma daquelas coisas que nem vale a pena perguntar, se o interrogássemos diretamente, o mais certo seria não nos responder, Por não saber ou por não querer, Creio que na cabeça de salomão o não querer e o não saber se confundem numa grande interrogação sobre o mundo em que o puseram a viver, aliás, penso que nessa interrogação nos encontramos todos, nós e os elefantes."
Vale destacar que por meio da construção dos personagens que o escritor coloca os seus grandes questionamentos: Salomão representa o poder do Estado, que ineficiente e incapaz de atender às demandas necessárias, passa o tempo impondo regras desnecessárias e cuidando apenas da aparência e das necessidades particulares; Subhro, por sua vez, representa os membros de uma sociedade pautada no interesse. Ciente de que é importante para a comitiva, ele passa a fazer exigências, a querer se beneficiar em certas situações, a impor as suas vontades e até mesmo a ridicularizar os seus superiores. 

Além deles, todos os personagens secundários apresentam características especiais e marcantes, que nos colocam diante de várias reflexões acerca da nossa postura diante do mundo.

Mantendo o mesmo estilo de sempre, com diálogos sem travessão e/ou parágrafo, separados apenas por vírgulas, Saramago nos coloca diante de uma narrativa direta e linear,  mas tão envolvente e inteligente quanto todas as narrativas que ele costuma criar.

Com um tom cômico e por vezes trágico, mas sempre lúcido e crítico, esta é mais uma das obras primas de um grande e inesquecível escritor.Vale a pena conferir!

Dica: 

O documentário José e Pilar foi filmado no período em que José Saramago estava escrevendo essa história. Compensa assistir, ficar por dentro dos "bastidores" do livro e ainda conhecer um pouco mais sobre a vida, o cotidiano e o amor do escritor.

"Ora, dois homens que tenham de caminhar juntos durante duas ou três horas seguidas, mesmo imaginando que seja grande o desejo de comunicação, acabarão fatalmente, mais cedo ou mais tarde, por cair em contrafeitos silêncios, quem sabe mesmo se odiar-se. Algum desses homens poderia não ser capaz de resistir à tentação de atirar o outro por uma ribanceira abaixo. Razão têm, portanto, as pessoas que dizem que três foi a conta que deus fez, a conta da paz, a conta da concórdia. Em três, ao menos, um qualquer poderá estar calado durante alguns minutos sem que se note demasiado. O pior é se um deles que tenha andado a pensar em eliminar outro para lhe ficar com o farnel, por exemplo, convida o terceiro a colaborar na repreensiva ação, e este lhe responde, pesaroso, Não posso, já estou comprometido em ajudar a matar-te a ti."
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