Entrevista Escritores

Entrevista com o escritor Ricardo Filho

20:01Universo dos Leitores

Ricardo, quando vocĂȘ decidiu ingressar na carreira de escritor? 

Na verdade eu tinha medo de ser escritor. Quando jovem achava que sendo neto e filho de escritores seria falta de imaginação escrever. Tinha medo de ser comparado, sabia que seria colocado em uma posição difĂ­cil entre Graciliano e Ricardo Ramos. Decidi entĂŁo estudar MatemĂĄtica, fazer uma coisa bem distante da literatura. Mais tarde, jĂĄ adulto e maduro criei coragem, acabei escrevendo o Computador sentimental. A obra foi publicada pela Ed. Atual e recebeu o prĂȘmio Adolfo Aizen como o melhor livro juvenil de 1992. O reconhecimento fez com que continuasse escrevendo, mergulhei na ĂĄrea de livros para crianças e jovens, explorei esse segmento nĂŁo tĂŁo trilhado por meus parentes mais famosos, e acredito ter me saĂ­do bem. Hoje jĂĄ tenho muitos trabalhos publicados.

O que te motiva a trabalhar com livros para o pĂșblico infanto-juvenil?

O meu texto normalmente jĂĄ Ă© escrito para esse pĂșblico. Sinto-me mais confortĂĄvel escrevendo histĂłrias infantis e juvenis. Talvez, e aĂ­ Ă© apenas uma tentativa de explicação, pois nĂŁo tenho assim tanta certeza com relação a ela, eu escreva para o leitor que fui quando criança e jovem. Eu era apaixonado, lia obsessivamente. O prazer da leitura, que ainda se mantĂ©m, embora mais comedido, era imenso. Poderia dizer, por outro lado, que no segmento infantil e juvenil posso circular mais livremente, sem as inevitĂĄveis comparaçÔes com Graciliano e Ricardo Ramos. Deve haver verdade nas duas respostas. A motivação maior, porĂ©m, Ă© mesmo gostar de escrever no segmento em que atuo.

Quais temas vocĂȘ considera essenciais em livros do gĂȘnero?

NĂŁo gosto da ideia de limitar o gĂȘnero a temas especĂ­ficos. Cada vez mais considero importante abordar todos os assuntos. NĂŁo deveria haver tabu. A criança e o jovem devem ser estimulados, criar o hĂĄbito da leitura. Nivelar por baixo, considerando que alguns temas sĂŁo inadequados, empobrece o texto. O ideal Ă© poder falar abertamente sobre tudo, sem segredos. A Ășnica exigĂȘncia deve ser a sensibilidade, o jeito de abordar algumas questĂ”es. Dentro desses limites tudo Ă© permitido. 

Algum livro infantil te inspira?

Mais do que um livro, um autor me inspira. Aprendi a ler com Monteiro Lobato. Acho a EmĂ­lia um dos melhores personagens infantis que jĂĄ foram escritos. Seria bom se valorizĂĄssemos mais os grandes nomes que existem no Brasil. Poucos paĂ­ses tiveram um autor tĂŁo revolucionĂĄrio como Monteiro Lobato. A criança que ele propĂ”e tem autonomia, desafia e contesta o adulto, Ă© quem resolve os problemas nos momentos difĂ­ceis, desobedece quando as ordens nĂŁo fazem sentido. Tudo isso na dĂ©cada de trinta. Desde ReinaçÔes de Narizinho, livro que li aos sete anos de idade, o primeiro, reconheço em Monteiro Lobato uma fonte de inspiração. Nos dias de hoje gosto demais da Lygia Bojunga, infelizmente fora das escolas por abordar com liberdade temas mais difĂ­ceis. Adoro seu livro Sapato de salto, uma coisa muito sĂ©ria. 

Entre os seus livros publicados algum te cativa de forma especial?

Eu gosto de todos os livros que escrevi. Os mais recentes, por estarem mais prĂłximos no tempo, sempre acabam ocupando um lugar mais especial. Acho O Livro dentro da concha um belo texto, eu estou muito presente no Pedrinho. O cravo brigou com a rosa Ă© um livro sensĂ­vel e extraordinariamente bem ilustrado, Se eu nĂŁo me chamasse Raimundo aborda um tema importante e difĂ­cil para as crianças, o da perda, mas muito necessĂĄrio. O JoĂŁo BolĂŁo traz o enfrentamento do bullying de um jeito mais otimista, mostra uma saĂ­da. O gato que cantava de galo, Na travessa da macorronada, VovĂŽ Ă© um cometa, Sobre o telhado das ĂĄrvores, em todos eu procuro tratar o texto com muito cuidado e trazer um tema que considero importante. 

No processo de criação, o que considera mais difícil: determinar os rumos da história, escrever o texto de forma clara ou apresentar os personagens com concisão e profundidade?

Quando eu sento para escrever uma histĂłria ela jĂĄ estĂĄ delineada em minha cabeça. Normalmente eu faço um plano do livro, sei o que vou dizer em cada capĂ­tulo. Penso sempre em primeiro lugar como vou narrar a histĂłria. Quando começo as personagens jĂĄ foram determinadas, sei a importĂąncia que cada uma terĂĄ. Ao final de cada capĂ­tulo trabalho o texto propriamente dito. É a parte para mim mais agradĂĄvel, embora muito trabalhosa. Sou capaz de escrever muitas vezes a mesma frase atĂ© achar que ficou direito. Isso para mim Ă© lĂșdico, gosto de dar atenção Ă s palavras. 

No seu Ășltimo lançamento, “Se eu nĂŁo me chamasse Raimundo”, vocĂȘ abordou a questĂŁo do cĂąncer na infĂąncia e o fez com muita sensibilidade. Como foi o processo de construção dessa histĂłria?

Considero que para podermos escrever termos que ficar atentos ao mundo ao nosso redor. As histĂłrias acontecem em nosso entorno, precisamos saber reconhecĂȘ-las. No caso de Se eu nĂŁo me chamasse Raimundo dois acontecimentos se uniram. O Instituto de CĂąncer de Caruaru pediu autorização (e nĂłs demos) para batizar a sua ala de quimioterapia de A terra dos meninos pelados. Os meninos em tratamento se identificaram com o texto infantil de Graciliano. Gostaram de ver uma terra em que os meninos sĂŁo pelados (sem cabelos) como eles. Ao mesmo tempo uma amiga, que perdeu uma filha hĂĄ muitos anos doente de cĂąncer, e realiza um trabalho voluntĂĄrio com crianças portadoras da doença, se queixou por nĂŁo encontrar textos infantis que abordassem o assunto. Resolvi entĂŁo que seria bom falar sobre um menino que lĂȘ o texto de Graciliano e estĂĄ em tratamento de cĂąncer.
VocĂȘ se baseou em uma experiĂȘncia real. Como foi vivenciar esse universo? Alguma criança em especial chamou a sua atenção?

Sim, sempre me baseio em experiĂȘncias reais na hora de escrever. Foi difĂ­cil, e como toda coisa difĂ­cil, boa de enfrentar. Explorar ao mĂĄximo a sensibilidade na hora de escrever Ă© sempre um risco. A gente fica em um lugar meio difĂ­cil, pois hĂĄ que se fugir da pieguice. Qualquer descuido e o texto desanda. O Raimundo do texto Ă© uma criança totalmente inventada.

Com base no que vocĂȘ vivenciou, o que considera essencial para apoiar essas crianças? 

Eu apenas escrevi uma história, um livro. Acredito que ler esse livro possa ajudar a enfrentar o drama que vivem, mas a história não foi escrita exclusivamente para crianças portadoras de cùncer. Do ponto de vista pessoal acredito sempre em carinho como a melhor forma de ajudar qualquer pessoa a enfrentar qualquer problema.

Na sua opiniĂŁo, qual a importĂąncia das ilustraçÔes nos livros infantis? 

Total. A literatura infantil nos dias de hoje Ă© formada por dois textos: o verbal e o visual. Eles se complementam, contam histĂłrias paralelas que se unem e formam um terceiro texto, que Ă© o que chega atĂ© as crianças. Um nĂŁo vive sem o outro. 
Sendo filho do escritor Ricardo Ramos e neto do Graciliano Ramos, vocĂȘ se utiliza dos trabalhos deles como fonte de inspiração ou opta por uma escrita mais personalizada?

É claro que os ecos da escrita deles chegam atĂ© o meu trabalho. Embora nĂŁo tenha convivido com Graciliano, que morreu antes do meu nascimento, a figura de meu pai foi muito importante em minha formação. Como mediador de leituras, referĂȘncia, exemplo. Embora eu tenha a minha personalidade, o meu jeito de escrever, Ă© natural que um pouco deles chegue atĂ© mim. Indiretamente (via meu pai) no caso de Graciliano e diretamente no caso de Ricardo Ramos. Aprendi, por exemplo, desde muito pequeno, a importĂąncia de se cuidar do texto, enxugĂĄ-lo, focar no essencial. Essa caracterĂ­stica estĂĄ presente hĂĄ trĂȘs geraçÔes na famĂ­lia.

EstĂĄ envolvido em algum novo projeto literĂĄrio?

Sempre. Estou trabalhando em um livro de poesia infantil, pensando em editar alguns livros que saíram apenas como e-books, escrevendo uma peça infantil, amadurecendo a ideia de continuar O livro dentro da concha, elaborando uma história infantil em que abordo a solidão de uma criança.

Pensa em escrever livros para o pĂșblico adulto?

Acabei de lançar um livro para adultos, publicado apenas eletronicamente pela e-galĂĄxia: Montado no ponteiro grande do relĂłgio. Nele exploro o campo das pequenas crĂŽnicas. 

AlĂ©m do gĂȘnero infanto-juvenil algum estilo de atrai de forma especial? 

Adoro ler romances. 

Qual escritor considera de leitura obrigatĂłria?

No Brasil Machado de Assis. É o meu autor preferido. No exterior gosto do Leon Tolstói de Guerra e paz e da novela A morte de Ivan Ilitch.

Como vocĂȘ vĂȘ o investimento na literatura nacional? 

Acho que hå investimento em livros. Eles estão chegando nas escolas, o cenårio é bastante positivo. Mas precisaríamos cuidar melhor da Educação. O håbito de leitura se cria com mediação competente. Depende quase que exclusivamente dos professores. Para isso precisamos formar melhores professores, melhorar os seus salårios, valorizar o profissional que lida com as crianças.

Ricardo, favor deixar uma mensagem aos jovens escritores. 

Leiam muito. NinguĂ©m consegue ser escritor sem ler bastante. Da mesma forma que o jogador de futebol precisa treinar, o escritor precisa ler. Leitura diĂĄria, constante, habitual. NĂŁo acreditem em inspiração. Escrever Ă© um trabalho como qualquer outro. É necessĂĄrio disciplina, local apropriado, condiçÔes que permitam a produção de textos. Precisamos sentar diariamente para escrever. É a Ășnica certeza que se pode ter: se estivermos sentados, procurando o texto, ele virĂĄ.


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