A Terceira Margem do Rio Editora Nova Fronteira

A Terceira Margem do Rio, de Maria Helena Rouanet e Thais dos Anjos

01:57Kellen Pavão


Alguns trabalhos tem o dom de nos tocar de maneira especial: seja através da identificação com os personagens, seja pela forma como a narrativa nos prende ou ainda pelo desenvolvimento da história. Mas alguns escritores tem o dom mágico de reunir tudo isso e nos contar memórias de maneira única, transformando enredos simples em grandes análises sobre a vida.

É o que acontece nesta graphic novel, inspirada no conto homônimo A Terceira Margem do Rio, de João Guimarães Rosa. A adaptação é linda e a experiência de ver o conto de Guimarães Rosa representado em imagens criadas por Thais dos Anjos foi fantástica. O roteiro de Maria Helena Rouanet capta a essência da obra original e reproduz com maestria o conto do escritor mineiro.
A história do pai de família que em um dia comum abandona tudo que conhece (incluindo esposa e filhos) e passa a viver em uma canoa no meio do rio, traz tantos simbolismos quanto a mente genial de Guimarães Rosa pode criar. 

Vale mencionar que os personagens não tem nome, e não existe uma definição clara de tempo ou lugar na história. Também não existe resposta, explicação e nem mesmo a voz do pai para esta atitude tão inusitada pra família. A história é contada em primeira pessoa pelo filho, que descreve toda a trajetória e consequências do exílio do pai. 

Tudo é feito através de frases rápidas e coordenadas, e o tom cadenciado toma conta da graphic, o que torna os quadrinhos bastante reflexivos. Isto combina bastante com jeito de Guimarães Rosa de contar histórias. 

A Terceira Margem do Rio é o lugar onde permanece a canoa do pai, e pode representar o limbo onde o homem quis se exilar. A canoa parada, a falta de comunicação com o mundo exterior e a solidão são tão cruéis quanto o tempo, que modifica dia após dia tudo que o homem conhece. 

O quadrinho tem um jeito especial de falar sobre escolhas, sobre solidão, sobre vida e sobre morte, de uma maneira que só Guimarães Rosa saberia fazer. Eu li duas vezes e tive a sensação de perceber detalhes e até interpretações diferentes da primeira vez em que li. Guimarães Rosa é sensorial, intenso e por esta razão, recomendo que você mesmo descubra tudo que a história pode oferecer.

“Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.”

(Trecho do conto original A Terceira Margem do Rio)
Tenho que destacar que, tanto o traço dramático, quanto o colorismo da graphic novel me impressionaram muito e me remeteram ao ambiente rústico onde se passa a história. A adaptação de Maria Helena Rounet ficou incrível e Thais dos Anjos fez um belíssimo trabalho na arte desta graphic novel.

Enquanto lia A Terceira Margem do Rio me imaginei em uma varanda simples onde o tempo não tem tanta pressa de passar, tomando um café forte em uma caneca, olhando o sol se pondo no horizonte com as cores avermelhadas do sertão enquanto ouvia um bom "causo". Pensei nas escolhas difíceis e nos caminhos obtusos que a vida pode nos levar. Pensei na dor do filho que alimentava o pai enquanto sofria com sua ausência e sua mudez, e pensei em todas as ausências, em todos os filhos que perdem seus pais e nada podem fazer. Pensei na solidão do homem que fez do rio seu "limbo" e ali passou toda sua vida. Pensei na relatividade do tempo e em como ele pode ser cruel com nossas memórias. Pensei em como priorizar o que realmente importa na vida. 

Se por um lado eu torci pra conseguir descobrir qual a motivação do pai, por outro eu torci para que a leitura não acabasse. Esta é uma das histórias mais lindas que já li em minha vida, e no final foi impossível segurar as lágrimas. Gostaria que todas as pessoas que conheço (e também as que não conheço) pudessem conhecer e ter a mesma experiência que eu tive. Espero que você se renda também.





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