Destaque Ferreira Gullar

Poemas eternos de Ferreira Gullar

22:47Isabela Lapa


Ferreira Gullar, um dos grandes nomes da poesia brasileira, faleceu ontem, dia 4 de dezembro, aos 86 anos de idade. Com inĂºmeros livros publicados e dois tĂ­tulos que serĂ£o lançados no ano que vem pela Editora AutĂªntica, ele serĂ¡ sempre sempre lembrado pelos trabalhos maravilhosos! 

Como homenagem, vou colocar aqui seis poemas que sempre me lembrarei... Espero que gostem:

NĂ£o hĂ¡ vagas
O preço do feijĂ£o
nĂ£o cabe no poema. O preço
do arroz
nĂ£o cabe no poema.
NĂ£o cabem no poema o gĂ¡s
a luz o telefone
a sonegaĂ§Ă£o
do leite
da carne
do aĂ§Ăºcar
do pĂ£o
O funcionĂ¡rio pĂºblico
nĂ£o cabe no poema
com seu salĂ¡rio de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como nĂ£o cabe no poema
o operĂ¡rio
que esmerila seu dia de aço
e carvĂ£o
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
estĂ¡ fechado:
“nĂ£o hĂ¡ vagas”
SĂ³ cabe no poema
o homem sem estĂ´mago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
nĂ£o fede
nem cheira.

Traduzir-se
Uma parte de mim
Ă© todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
Ă© multidĂ£o:
outra parte estranheza
e solidĂ£o.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
Ă© permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
Ă© sĂ³ vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que Ă© uma questĂ£o
de vida ou morte –
serĂ¡ arte?


No corpo
De que vale tentar reconstruir com palavras
O que o verĂ£o levou
Entre nuvens e risos
Junto com o jornal velho pelos ares
O sonho na boca, o incĂªndio na cama,
o apelo da noite
Agora sĂ£o apenas esta
contraĂ§Ă£o (este clarĂ£o)
do maxilar dentro do rosto.
A poesia Ă© o presente.

Aprendizado
Do mesmo modo que te abriste Ă  alegria
abre-te agora ao sofrimento
que Ă© fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusĂ£o
que a vida sĂ³ consome
o que a alimenta.

Os mortos
os mortos vĂªem o mundo
pelos olhos dos vivos
eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
certas sinfonias
algum bater de portas,
ventanias

Ausentes
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça


Meu povo, meu poema
Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a Ă¡rvore nova
No povo meu poema vai nascendo
como no canavial
nasce verde o aĂ§Ăºcar
No povo meu poema estĂ¡ maduro
como o sol
na garganta do futuro
Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta

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1 comentĂ¡rios

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