Cia das Letras Crítica

Doze anos de escravidão, de Solomon Northup

00:00Angélica Pina

O livro que inspirou o filme homônimo, vencedor do Oscar 2014, é uma narrativa que mexe com as emoções. Solomon Northup conta de forma precisa e detalhada sobre o mais terrível período de sua vida, entre 1841 e 1853, quando ele foi injustamente submetido à escravidão.

Solomon era um homem livre e viveu assim por mais de trinta anos. Casou-se, teve três filhos e trabalhava de forma honesta, esforçando-se para que ele e sua família tivessem conforto e dignidade. Até que dois homens o abordaram com uma boa proposta de emprego, com um salário melhor. Infelizmente, Solomon decidiu seguir com eles, sem saber que tratava-se de um sequestro. Ele foi drogado e acordou encarcerado, com as mãos algemadas e os tornozelos presos por grilhões. Quando um homem apresentou-se como aquele que o havia comprado como escravo, Solomon declarou sua liberdade em alto e bom som, dizendo de onde vinha e que não aceitaria aquela condição. Foi nesse momento que ele experimentou pela primeira vez como um escravo é açoitado.

“Colocando-me sobre o banco, com o rosto para baixo, Radburn pôs seu pesado pé sobre os grilhões entre meus punhos, mantendo-os dolorosamente junto ao chão. Com o remo, Burch começou a bater em mim. Golpe após golpe foi infligido sobre meu corpo nu. Quando seu incansável braço finalmente se fatigou, ele parou e perguntou se eu ainda insistia em ser um homem livre. Eu insisti, e então os golpes recomeçaram, mais rápidos e com mais força, se é que isso era possível. Quando se cansava ele repetia a mesma pergunta e, recebendo a mesma resposta, prosseguia em sua ação cruel. A essa altura o diabo encarnado praguejava as imprecações mais demoníacas.”
Depois da dolorosa experiência do açoite, o homem ameaçou que aconteceria algo muito pior caso Solomon ousasse repetir que era um homem livre ou que tinha sido sequestrado, o que fez com que ele mantivesse isso como um segredo seu durante os próximos doze anos.

A partir daí, Solomon narra cada detalhe de sua nova vida. A convivência com os outros escravos, os trabalhos que fazia, o tratamento dado por cada senhor que ele teve. É extremamente comovente como ele não deixa passar os mínimos atos de bondade que cada pessoa fez a ele, mostrando que embora amargurado com a sua situação, ele ainda conseguia demonstrar gratidão e reconhecer quando alguém o poupava de sofrimentos piores.

Por mais que já tenhamos visto em filmes e novelas sobre a escravidão, esse livro mostra os acontecimentos por um ângulo muito diferente, não visto por um senhor de escravos ou por alguém que estudou sobre o assunto, tampouco por um escravo que tinha por “obrigação” conformar-se com sua vida e sim por um homem que não deveria estar passando por nada daquilo, mas que verdadeiramente passou por cada dor a que um escravo está sujeito.

“Por que eu não havia morrido em meus primeiros anos – antes que Deus me desse filhos para amar e pelos quais viver? Quanta infelicidade e quanto sofrimento e quanta amargura não teriam sido evitados? Eu ansiava por liberdade; mas as correias do servo estavam à minha volta e não podiam ser afastadas. Só podia olhar melancolicamente para o norte e pensar nos milhares de quilômetros que me separavam da terra da liberdade, sobre a qual um homem livre negro não podia passar.”
Solomon preocupa-se bastante em ser o mais preciso e detalhista possível, temendo que as pessoas não acreditem em seu relato. O fato de ele ser um homem culto e letrado fica claro, pois sua narrativa é coerente, linear e de uma fluência digna de grandes autores. Mas o que mais chama atenção é seu caráter. Por mais cruel que tenha sido o tratamento dado a ele por alguns de seus senhores, Solomon chega a tentar justificá-los, declarando que não os culpa por agirem de tal modo.

“Não é culpa do proprietário de escravos se ele é cruel; antes, é culpa do sistema no qual ele vive. Ele não consegue se opor à influência do hábito e das relações que o cercam. Ensinado desde a mais tenra idade por tudo o que vê e ouve que a vara foi feita para as costas do escravo, na idade madura não consegue mudar de opinião.”

Conhecer a história de Solomon faz com que mudemos conceitos, passemos a entender melhor muito sobre o que realmente ocorreu nos tempos da escravidão e como a maldade do ser humano pode chegar a patamares que sequer cogitamos. Ver a esperança desse homem durante todo o tempo que ficou longe de sua família faz com que repensemos sobre as vezes que desistimos de algo simplesmente por comodismo ou falta de persistência.

“O verão da minha vida estava se esvaindo; eu sentia que estava envelhecendo prematuramente; que mais alguns anos, e o trabalho pesado, e a tristeza, e o venenoso miasma dos brejos completariam seu trabalho sobre mim – me mandariam para o abraço do túmulo, para a putrefação e o esquecimento. Repelido, traído e afastado da esperança de qualquer socorro, eu só podia me prostrar no chão e gemer com uma angústia inexprimível. A esperança de ser resgatado era então a única luz que jogava algum raio de consolo em meu coração. Ela agora era trêmula, fraca e baixa; outro sopro de desencanto trataria de extingui-la, deixando-me a tatear numa escuridão total até o fim de minha vida.”
Leitura não só recomendada, mas necessária, para não dizer obrigatória. Não é agradável, pelo contrário, é sufocante, angustiante, mas de uma singularidade e importância que fazem valer à pena.

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