Editora LP&M Fernando Ruiz

Como chegamos até aqui? Uma breve história da humanidade com Sapiens

10:00Fernando Ruiz Rosario



O quanto você sabe? E quanto que você não sabe? Aquilo que sabemos é tão importante para definir o que somos, que os espaços de transferência de conhecimento em nossa cultura são privilegiados e protegidos. Porém, aquilo que não sabemos talvez exerça um papel ainda maior naquilo que nos define. E um dos aspectos que de fato temos mais ignorância do que conhecimento de fatos é sobre de onde viemos.  

“Há cerca de 70 mil anos, os organismos pertencentes à espécie Homo sapiens começaram a formar estruturas ainda mais elaboradas chamadas culturas. O desenvolvimento subsequente dessas culturas humanas é denominado história.”

A história da humanidade sempre foi um assunto intrigante. Em meio às mais variadas opções narrativas que versam sobre nossas origens, às vezes é difícil distinguir entre aquelas crenças mais arraigadas em nossas mentes e aquilo que verdadeiramente deve ter acontecido. Sapiens: uma breve história da humanidade, do escritor e professor israelense Yuval Noah Harari, pretende recontar a história do homem segundo as evidencias científicas que dispomos atualmente. E, se for para definir o livro em poucas palavras, eu diria que o que ele faz é realmente isso: contar uma boa história!

O livro conta como o ser humano passou de um animal insignificante, reunido em pequenos bandos na savana africana para o topo da cadeia alimentar, se reproduziu de maneira vertiginosa, formando um grande bando que domina o globo terrestre e modifica toda a estrutura natural por onde passa. Passando por diversas revoluções, como a cognitiva, a agrícola e a científica, o homem conseguiu se firmar como a única linhagem sobrevivente em sua linha evolucionária, dominando espaços, animais e plantas.

“As novas habilidades linguísticas que os sapiens modernos adquiriram há cerca de 70 milênios permitiram que fofocassem por horas a fio. Graças a informações precisas sobre quem era digno de confiança, pequenos grupos puderam se expandir para bandos maiores, e os sapiens puderam desenvolver tipos de cooperação mais sólidos e mais sofisticados.”

A revolução cognitiva foi responsável por equipar o homo sapiens com um dos maiores e mais complexos cérebros do reino animal, com um consumo de 25% de toda a energia que o corpo humano precisa para sobreviver quanto está em repouso (o cérebro de outros primatas requerem apenas 8% da energia corporal). Essa capacidade cognitiva se traduziu em capacidade de articulação social para a sobrevivência através de um sistema de linguagem único.

De coletores e caçadores, a revolução agrícola possibilitou ao homem se fixar, plantar e colher, mas não sem um custo alto em termos de qualidade de vida individual. Com uma carga de trabalho diária maior que a de coletores e caçadores, a dependência de uma monocultura que colocava em risco a sobrevivência quando as condições não eram adequadas e o empobrecimento na variedade da dieta, o autor chega a dizer que não foi o homem que dominou o cultivo de certos grãos e tubérculos, mas, antes, tais plantas que dominaram os homens.

“Nós não domesticamos o trigo; o trigo nos domesticou. A palavra “domesticar” vem do latim domus, que significa “casa”. Quem é que estava vivendo em uma casa? Não o trigo. Os sapiens.”

Porém, talvez a maior revolução pela qual os homens passaram foi no campo das crenças. Foi a crença em certas regras, leis ou divindades que possibilitou ao homem passar de inúmeros pequenos bandos para uma sociedade global. Para Harari, crenças em ficções úteis, que organizam, dominam e justificam uma certa ordem que leva à proliferação do animal humano a todos os cantos do planeta.

Se definirmos a religião como um conjunto de normas e valores baseados em uma crença sobre-humana, diz o autor, não apenas aquelas religiões tradicionais, como o cristianismo, o budismo e o islamismo, devem estar nessa categoria, como também aquelas centradas no homem, como o comunismo, o liberalismo e capitalismo. Incômodo? Talvez, mas é justamente essa engrenagem crença mais mobilização do bando humano que garantiu o sucesso da espécie humana em se procriar e se firmar numericamente. E, por ser uma estrutura culturalmente e, talvez, geneticamente presente em nós, que nos mobiliza e nos faz duvidar quando confrontados.

“Nossos sistemas jurídicos e políticos liberais se baseiam na crença de que todo indivíduo tem uma natureza interna sagrada, indivisível e imutável, que dá significado ao mundo e que é a fonte de toda autoridade ética e política. Essa é uma reencarnação da crença cristã tradicional em uma alma livre e eterna que reside em cada indivíduo. Mas, nos últimos 200 anos, as ciências da vida minaram totalmente essa crença. Os cientistas que estudam o funcionamento interno do organismo humano não encontraram ali nenhuma alma. Eles argumentam cada vez mais que o comportamento humano é determinado por hormônios, genes e sinapses, e não pelo livre-arbítrio – as mesmas forças que terminam o comportamento de chipanzés, lobos e formigas. Nossos sistemas jurídicos e políticos tentam varrer tais descobertas inconvenientes para debaixo do tapete. Mas, com toda a franqueza, por quanto tempo poderemos manter o muro que separa o departamento de biologia dos departamentos de direito e ciências políticas?”

E nessa longa e desconhecida história, recontada através da reconstrução peça a peça de evidências e melhores teorias disponíveis até aqui, nos deparamos com o tamanho de nossa ignorância frente a tudo que nos cerca. É o espírito da ignorância, de reconhecer que nossas melhores teorias científicas são pequenas gotas de conhecimento ante o oceano daquilo que ainda não sabemos, que de fato diferencia o homo sapiens que dominou o mundo. 

Se somos todos uma única espécie, o que diferenciou o homem europeu e sua cultura ocidental daqueles que eram mais poderosos e reclusos em grandiosos impérios foi justamente o espírito indagador que levou à construção da ciência moderna e, com ela, dos sistemas que hoje regem nossas vidas. De um bando de humanos que vivem em um terreno pobre e sem grandes recursos, o europeu moderno se lançou no mundo se permitindo não saber, perguntando-se sobre o que havia além do conhecido. Com isso, descobriu novos continentes, novos animais e seres vivos invisíveis, grandes conjuntos de estrelas e galáxias invisíveis aos nossos olhos, bem como partículas tão pequenas que ainda desafiam a física moderna, e tudo isso graças à ciência e seu espírito de ignorância.

“A Revolução Científica não foi uma revolução do conhecimento. Foi, acima de tudo, uma revolução da ignorância. A grande descoberta que deu início à Revolução Científica foi a descoberta de que os humanos não tem as respostas para suas perguntas mais importantes.”

Não é fácil transformar a ciência em um produto de divulgação para o grande público. Resultados de pesquisas podem ser difíceis demais para não iniciados, juntar evidências espaças pode ser enfadonho demais para pessoas que querem apenas se informar e reconhecer que existem lacunas que ainda não somos capazes de explicar pode ser arriscado demais em um contexto onde dispomos de muitas respostas prontas. O autor, no entanto, consegue entregar um livro incrível, que compila de maneira compreensível teorias complexas, exemplifica de maneira precisa com evidências e admite que ainda sabemos muito pouco sobre o que realmente aconteceu em milhões de anos sobre os quais temos apenas pistas. E tudo isso graças à sua capacidade ímpar de ser um ótimo contador de histórias!

“Mas, considerando que possivelmente logo seremos capazes de manipular inclusive nossos desejos, a verdadeira pergunta a ser enfrentada não é “O que queremos nos tornar?”, e sim “O que querermos querer?”. Aqueles que não se sentem assombrados por essa pergunta provavelmente não refletiram o suficiente a respeito.”



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