Crítica Editora Nemo

Uma Metamorfose Iraniana, de Mana Neystani

00:26Universo dos Leitores

Chegou a vez de falar sobre mais uma obra iraniana que tive a oportunidade de conhecer este ano, surpreendente e cheia de emoção. 

Uma Metamorfose Iraniana, de Mana Neystani é uma autobiografia em quadrinhos que mostra o drama de um quadrinista vítima do totalitarismo iraniano. Tudo começa com uma barata. Isto mesmo, uma simples barata é o estopim, o pior pesadelo e o motivo pelo qual Mana amargará um bom tempo atrás das grades.

De forma despretensiosa, em mais um dia de trabalho Mana cria o inseto em mais um de seus quadrinhos, sem imaginar que ao dar voz à barata utilizando uma palavra azeri, vai comprometer seu futuro nos próximos meses. Os azeri são turcos originários do norte do Irã oprimidos e sufocados há anos pelo regime iraniano predominante. 

Por esta razão, os azeri eles interpretam a charge de Mana como uma provocação, considerando uma suposta comparação de seu povo com baratas.
A indignação dos azeri desencadeou um levante, que tinha como figura central o suposto provocador - Mana, o quadrinista que acabou se tornando bode expiatório do regime iraniano. Mana Neystani se vê obrigado a abandonar sua vida, esposa e sua liberdade, desamparado e submetido à insegurança jurídica do regime  vigente. 

Um inseto que provoca uma transformação na vida de um protagonista não é nenhuma novidade na literatura, e a referência ao universo criado por Kafka não surge à tôa no quadrinho.  A falta de segurança jurídica, a incerteza quanto ao futuro, a angústia de um homem privado de sua liberdade (como acontece em O Processo, também de Kafka) e a ligação emocional do homem com sua família são algumas das semelhanças da história de Mana com os personagens Kafkanianos.
Ao contrário dos quadrinistas oposicionistas e politicamente engajados, Mana não demonstrava nenhuma pretensão de provocar os azari e afirma até desconhecer todos os possíveis significados da expressão que tanto irritou os turcos. Mas por mais que ele se defenda e negue a provocação, seu destino sai de seu controle e ele acaba preso juntamente com o editor da revista onde trabalhava. 

Mana teve que ser forte para não definhar lentamente, desamparado diante da falta de voz e de representatividade. O claustrofóbico regime iraniano, os conflitos políticos e religiosos, as decisões arbitrárias, a insegurança das leis, o medo, a solidão e a saudade de casa e da esposa deixam a história cada vez mais dramática.

A barata, estopim da arbitrariedade que levou Mana à cadeia interage com ele ao longo de toda a história e nos lembra todo o tempo sobre os absurdos que envolvem sua prisão,  e da angústia que o atormenta assim como acontece com outros personagens de Kakfa.
Mana Neystani usa e abusa das tiradas criativas e da intertextualidade, como na cena em que ele é induzido a delatar outros quadrinistas e "autoretrata" no quadro da Santa Ceia, na posição ocupada por Judas. As intervenções da barata, o quadro da Santa Ceia, e a representação do cinismo do diretor através da figura de Pinóquio são algumas das inúmeras referências ao longo da história

Me encantei pelo traço monocromático, que em vários momentos me lembraram o realismo de Robert Crumb, especialmente nas cenas em que a expressão passiva de Mana contrastava com as expressões firmes, sádicas e assustadoras de seus algozes. 

Além do traço rachurado e monocromático, algumas sequências também me remeteram aos planos de Escher, , além dos famosos planos de profundidade de campo que lembravam aos trabalhos de Stanley Kubrick e do diretor Wes Anderson.

Uma Metamorfose Iraniana é um quadrinho incrível, e mostra todo o talento e criatividade de uma mente encarcerada e censurada pela arbitrariedade política do conturbado Irã. 

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